quarta-feira, 7 de junho de 2017
'O rei Leopoldo II da Bélgica e o holocausto negro no Congo
Reproduzimos a seguir o artigo O rei Leopoldo II da Bélgica e o holocausto negro no Congo, de Israel Junior Silva, que retrata as atrocidades do colonialismo europeu na África.
Quando se fala em atrocidade, um nome, inevitavelmente, vem à cabeça: Hitler! Mas, agora, outro nome se juntará à galeria dos monstros da história da humanidade: o do rei Leopoldo II, da Bélgica. E isso graças ao escritor polonês, naturalizado britânico, Adam Hochschild, que no livro “O Fantasma do Rei Leopoldo”, relata uma das maiores chacinas já cometidas em nome do poder, a mando do rei belga, quando colonizou o Congo (atual Zaire), no continente africano. As piores atrocidades aconteceram entre 1890 e 1910, tudo isso sem que o rei colocasse os pés na África e com o aval dos líderes mundiais, que fizeram “vista grossa”, enquanto milhares de congoleses sucumbiam ante a tirania do “filantrópico e humanitário” rei, que aos olhos do mundo “apenas libertava aquele povo medieval de uma ignorância crônica, levando até eles as benesses da civilização”.
Congo Belga, como ficou conhecido na época, foi uma das grandes fontes de riqueza para a minúscula Bélgica, que se enriqueceu com a venda de marfins, que eram extraídos em detrimento da morte de centenas de milhares de elefantes africanos, hoje ameaçados de extinção. Outra fonte de riqueza foi a extração da borracha, responsável pelo desaparecimento de muitas espécies de árvores nativas daquela região.
Mas foi em outro aspecto que a tirania do rei Leopoldo mais se acentuou: na instituição do trabalho escravo. A ordem era lucrar muito com pouco investimento, e isso, logicamente, significava não se preocupar com a folha de pagamento. Muitos oficiais belgas foram enviados ao Congo, após previamente estudarem um “Manual”, onde se ensinavam as “técnicas” de como subjugar o povo. No dizer do próprio autor, “poucas vezes a história nos oferece uma chance como essa de ver instruções detalhadas de como executar um regime de terror”.
No livro, pode-se observar uma fotografia onde um oficial belga exibe, orgulhoso, o seu “jardim de crânios”, que consistia em uma cerca ao redor de sua casa, toda construída com cabeças africanas decepadas, numa clara intenção de intimidar os que, porventura, ousassem desobedecer as ordens de “Sua Majestade”. Num assombroso relato de uma africana, pode-se imaginar o inferno em que viviam os congoleses: “Quando estávamos todos reunidos – e havia muita gente de outras aldeias [...] – os soldados trouxeram cestos de comida para nós carregarmos, dentro dos quais havia carne humana defumada [...] ”.
A extração do marfim era relativamente simples, pois os oficiais armavam-se com rifles, matavam centenas de elefantes e os africanos, amarrados por grossas correntes nas pernas, formavam longas filas e carregavam cargas pesadíssimas até a margem do rio Congo, onde navios esperavam para dali partirem rumo à Europa. Não é preciso dizer que nesse trajeto – dos locais das matanças até o rio – os negros eram constantemente açoitados e muitos morriam por não suportar o peso da carga. A comida era uma ração, distribuída uma única vez ao dia e muito inferior àquela que era destinada aos cavalos do rei.
Para extrair a borracha, houve um impasse. Como os negros precisavam subir nas árvores, era impossível mantê-los acorrentados uns aos outros, o que dificultava o recrutamento de “voluntários”. Mas, como não existia obstáculo que pudesse deter o regime de terror, os belgas invadiam as aldeias, raptavam mulheres e crianças e exigiam como pagamento por sua liberdade uma quantia de látex que necessitava de 24 dias para ser extraído. Dessa forma, vários africanos eram obrigados a se embrenhar na mata para conseguirem a matéria-prima da borracha e muitos eram devorados por leões e leopardos. Os que retornavam, muitas vezes encontravam esposas e filhos mortos, ou violentados pelos soldados do rei. As mulheres mais bonitas eram entregues aos oficiais, como forma de amenizar o celibato forçado em que viviam.
Muitos aventureiros de toda a Europa foram para o Congo, nessa época, atraídos pelo dinheiro fácil conseguido através da venda de escravos. Outros invadiam as aldeias que resistiam ao trabalho de extração da borracha e, para cada bala disparada, tinham que apresentar a um oficial belga a mão direita do africano morto, para só assim receberem o pagamento. Como alguns utilizavam a munição para caçar, decepavam mãos de pessoas vivas, no intuito de justificar a bala desperdiçada. A prova disso são várias fotos espalhadas pelo livro, onde se vê homens, mulheres e até crianças mutiladas.
A cena presenciada pelo missionário presbiteriano William Sheppard, descrita pelo autor, é chocante e dispensa maiores comentários: “No dia em que chegou ao acampamento dos saqueadores, chamou-lhe a atenção um grande número de objetos sendo defumados. O chefe ‘nos levou até uma estrutura de paus, sob a qual queimava um fogo lento, e lá estavam elas, as mãos direitas, contei-as todas, 81’. O chefe disse a Sheppard: ‘Veja! Aqui está nossa prova. Eu sempre tenho que cortar a mão direita das pessoas que matamos, para poder mostrar ao Estado quantas foram’. Com muito orgulho, mostrou a Sheppard alguns dos corpos de onde as mãos tinham saído. A fumaça era para preservar as mãos no calor e umidade, já que podia levar dias, ou semanas, até o chefe poder exibi-las ao oficial encarregado e receber os créditos por suas matanças”.
O castigo belga - mãos cortadas
Para se ter uma ideia de tanta desumanidade, basta observar o que disse um oficial, conhecido por Fiévez, tentando justificar a chacina de cem pessoas, quando estas não conseguiram fornecer aos seus soldados o peixe e a mandioca exigidos: “Eu fazia guerra contra eles. Um exemplo bastava: cem cabeças cortadas fora e a estação voltava a ser abastecida com fartura. Meu objetivo final é humanitário. Eu mato cem pessoas [...] mas isso permite que outras quinhentas vivam”. Como afirmou Edmund Morel, uma das maiores vozes que ecoaram contra o trabalho escravo dos africanos, “o Congo é uma sociedade secreta de assassinos, tendo um rei como cabeça”.
São muitas as atrocidades, impossíveis de serem descritas em apenas um artigo. Mas, para quem pensava que no ranking dos monstros da humanidade, Hitler fosse imbatível, uma novidade: o pódio é também ocupado pelo rei Leopoldo II, da Bélgica, que traz em seu currículo 8 milhões de africanos dizimados, contra 6 milhões de judeus mortos, inseridos no histórico do austríaco.
A diferença entre os dois é que Hitler gostava de fazer propaganda de suas bestialidades e suas vítimas foram um povo branco, enquanto o belga, que optou pelos negros, como todo psicopata que se preze, matava com discrição, com um inevitável sorriso nos lábios, além de passar uma imagem de bonzinho para o resto do mundo. No mais, foram monstros paridos pela escória, embora nascidos em épocas e circunstâncias diferentes.
O poeta norte-americano Vachel Lindsay traduziu bem a impressão deixada por Leopoldo, após sua morte: “Ouçam como grita o fantasma de Leopoldo/A queimar no inferno por suas hostes sem mãos./Escutem como riem e berram os demônios/Lá no inferno, a lhe cortar fora as mãos”.
Mulheres negras eram usadas em dolorosos experimentos.
MULHERES NEGRAS USADAS COMO COBAIAS PARA EXPERIMENTOS GINECOLÓGICOS.
James Marion Sims é anunciado como um cirurgião inovador. Muitos se referem a ele como o pai da ginecologia americana. No entanto, outros acham que ele não deveria ser elevado com esse título de prestígio, porque se utilizou os escravizadas como sujeitos de suas experiências.
Em 1845, Dr. Sims estabeleceu um hospital particular para as mulheres no Alabama. Aqui, ele iria realizar várias cirurgias experimentais. O primeiro foi para reparar uma fístula urogenital, nesta época, mulheres que sofriam desta doença eram consideradas socialmente inaptas.
Sims realizou a cirurgia experimental em sete escravas que sofreram com esta doença. Ele fez isso em um esforço para investigar, desenvolver e melhorar métodos sobre a saúde feminina, porém, tais essas descobertas foram conquistas a base de experiências sobre as mulheres escravizadas no Alabama, utilizadas como cobaias em experimentos brutais e doloridos.
Ele operou nas mulheres negras durante 4 a 5 anos sem a utilização de anestesia ou condições anti-sépticas adequadas. Só numa destas mulheres, Sims a operou pelo menos 30 vezes! Aperfeiçoou suas técnicas através da experimentação em escravas e só depois ele iria realizar a cirurgia reparadora em mulheres caucasianas, com o uso de anestesia.
Foram com estas cirurgias experimentais que Dr. Sims 'fez o caminho para cirurgias vaginais nos moldes que hoje conhecemos. É ele o homem que inventou o instrumento ginecológico conhecido como o espéculo. A posição que os pacientes são colocados durante um exame retal também foi idealizado por ele. Em 1852, foi reportado que a sua técnica de sutura com fio de prata resultou na reparação bem sucedida de uma fístula urogenital.
Todas as vezes em que as mulheres, hoje, forem aos seus ginecologistas fazer exames ou mesmo alguma cirurgia desenvolvida através dos experimentos de Dr Sims, devem se lembrar da dor dilacerante por que passaram estas 7 mulheres pretas utilizadas como cobaias, sem anestesia de 4 a 5 anos.
Nesse período elas foram expostas a experiências que as traumatizariam por toda a vida. O médico acreditava que os africanos eram insensíveis a dor e realiza operações cirúrgicas nas mulheres. Os procedimentos experimentais como histerectomia, laqueadura tubária foram feitos nessas condições insalubres, as negras escravizadas ainda seriam testada para avaliação a reação de algumas doenças.
Pode-se imaginar também que nenhuma forma de respeito, cuidado ou carinho foram destinados à elas, restando-lhes somente as humilhações em silêncio.
Só para lembrar, atualmente, pesquisas apontam que mulheres negras e pardas são menos assistidas em pré-natal, recebem menos anestesias na hora do parto e morrem mais de doenças ginecológicas e na hora do parto.
Fontes para estas notícias:
http://elo.com.br/portal/noticias/ver/128714/gravidas-pardas-e-negras-recebem-menos-anestesia-no-parto.html
.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pretas-recebem-menos-anestesia,703837,0.htm
.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-05-13/especialistas-pedem-mudancas-no-sus-para-melhorar-atendimento-mulheres-negras
domingo, 2 de abril de 2017
Revolução Pernambucana de 1817
As origens da Revolução Pernambucana
A Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres, devido a importância que os mesmos tiveram em sua organização e divulgação, foi um movimento separatista contra a Coroa Portuguesa que ocorreu em 1817 na capitania de Pernambuco.
Pernambuco possuía uma longa tradição de buscar a solução de seus problemas com recursos próprios, desde a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro em 1654, após nove anos de guerra com pouco apoio dos portugueses. O contato com a administração holandesa, que permitia certa autonomia comercial e cultural, somada à vitoriosa luta contra estes, tornou o povo pernambucano particularmente orgulhoso e receptivo às ideias de liberdade e respeito aos seus méritos, julgando-se com direito de contestar em diversas ocasiões a autoridade do governo português, como na Guerra dos Mascates(1), em 1710.
No início do século XIX, a cidade Olinda e a vila Recife somavam mais de 40 mil habitantes, um conjunto urbano grande para a época. Pernambuco possuía um porto muito movimentado em Recife, alguns povoados e vilas com um comércio ativo, muitas plantações de cana e algodão, além de centenas de engenhos que fabricavam açúcar.
A exclusividade comercial com Portugal garantia a arrecadação dos tributos à Coroa e dava aos comerciantes portugueses o controle sobre os prazos e o preço das mercadorias, em uma relação desvantajosa que gerava um crescente desagrado para os brasileiros. Outro motivo de descontentamento da elite pernambucana era motivado pelo fato dos brasileiros raramente conseguirem ocupar os cargos mais importantes da administração pública, reservados aos portugueses.
A crescente pressão dos abolicionistas na Europa criou crescentes restrições ao tráfico de escravos, o que tornava esta mão-de-obra cada vez mais cara, sendo a escravidão o motor de toda a economia agrária pernambucana.
Os holandeses passaram a produzir e comercializar açúcar a partir de suas colônias na América Central (Antilhas), fazendo o preço do produto cair no mercado e diminuir o número de compradores, prejudicando os lucros dos senhores de engenho e comerciantes pernambucanos, tornando mais difícil o pagamento de dívidas, a importação de mercadorias e dos cada vez mais caros escravos africanos.
Em 1816 uma grande seca atingiu Pernambuco e região, causando uma queda na produção do açúcar e do algodão, que sustentavam a economia, o que gerou miséria e fome para parte da população, com falta de farinha e feijão.
Este conjunto de dificuldades pelas quais passava a capitania levou os pernambucanos em busca de saídas para a crise, e eles encontraram novas inspirações nos exemplos dos Estados Unidos e da França. Além disso, o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos aos hispano-americanos em conflito contra a metrópole espanhola alimentava a expectativa de que iniciativas revolucionárias na América portuguesa pudessem contar com o mesmo tipo de ajuda. O fato de haver uma considerável quantidade de ingleses estabelecidos nas grandes cidades brasileiras e movimentarem uma quantia cada vez maior de dinheiro em seus negócios reforçava essa expectativa, uma vez que os interesses dos britânicos eram os mesmos que os das elites nordestinas, como o fim do monopólio e estabelecimento do livre comércio.
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ocorre a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, favorecendo os comerciantes brasileiros, que não precisavam mais dividir seus lucros com os intermediários portugueses. No entanto, as iniciais vantagens econômicas e culturais com as visitas de estrangeiros não foram seguidas por vantagens políticas.
A instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro fez com que todas as capitanias tivessem que pagar novos impostos sobre a exportação do açúcar, tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras taxas, afetando diretamente as capitanias do norte, que a Corte sobrecarregava com recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas das guerras na Guiana e no Prata(2).
As riquezas que saiam de Pernambuco eram usadas para custear a crescente estrutura burocrática do reino e financiar obras públicas para a modernização da cidade do Rio de Janeiro, de modo a aumentar o conforto da corte portuguesa e o prestígio com os visitantes estrangeiros.
Outro efeito da vinda da família real portuguesa para o Brasil foi o deslocamento do eixo de importância política no Brasil do norte para o sul, o que, juntamente com o sucessivo aumento de impostos, contribuiu para aumentar a instabilidade política e as tensões sociais.
Na mesma medida em que diminuíam os lucros e o poder político da elite pernambucana, aumentavam o descontentamento e desejo de autonomia. As conversas criticando a Coroa Portuguesa aconteciam abertamente nas ruas, festas e repartições públicas, tendo como um dos principais alvos o governador da capitania desde 1804, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro. O experiente ex-governador do Mato Grosso era considerado tolerante, omisso e pouco voltado para o trabalho, o que resultou em uma administração ineficiente, com estradas e edifícios públicos mal conservados e serviços essenciais, como a limpeza nas ruas, feitos com desleixo. Os militares, recebendo baixos salários com atraso, pouco cuidavam dos problemas de segurança.
Entre aqueles que publicamente espalhavam ideias liberais e republicanas destacavam-se os padres formados no Seminário de Olinda.
Pelo menos 70 padres participaram do levante, segundo os cálculos feitos [...] sobre os autos da devassa. Entretanto, como muito dos documentos sobre 1817 foram destruídos pelos próprios revolucionários no momento em que as forças realistas encurralavam os levantados, e como a devassa foi encerrada antes de chegar às suas primeiras conclusões, é presumível que o número de eclesiásticos na revolução pernambucana seja ainda maior. [...] A documentação é abundante em demonstrar que o clero se empenhou em persuadir e aliciar a população a favor da revolução, consolidando conquistas e intimando indecisos e desobedientes. Próximos aos militares, os padres desempenharam diversos papéis nas tropas desde capitães de guerrilha até soldados. Há até casos em que alguns conventos serviram de campo de treinamento militar ou mesmo como local para alojar armas. A revolução de 1817 só terá sucesso em se difundir por regiões mais amplas quando fizer uso do aparelho eclesiástico, atingindo até mesmo os sertões por meio de fios que ligavam os vigários, as igrejas e paróquias às grandes autoridades do bispado. Os púlpitos, pastorais e até os livros de tombo das paróquias estarão impregnados pelo ideário revolucionário. O governo provisório por meio do clero fez circular pastorais instruindo os fiéis a abandonarem as rivalidades que dividiam o rebanho entre brasileiros e europeus [...]. Dessa forma, as pastorais, amparadas pelas explanações do clero serviram como um dos vários instrumentos políticos de doutrinação para legitimar o levante. (Andrade, 2011:246-247).
Os comerciantes portugueses, ligados à exportação de açúcar e algodão, estavam cada vez mais amedrontados no ambiente hostil em que viviam, preocupados por um lado com a violência de uma possível revolta de negros e mulatos e, por outro lado, com a rivalidade dos grandes proprietários brasileiros, que se consideravam nobres por possuírem terra e chamavam os lusitanos pejorativamente de “mascates” ou “marinheiros”, porque estes chegavam da Europa em navios. Contribuía para aumentar a hostilidade, o fato dos portugueses emprestarem dinheiro aos brasileiros com juros mais altos do que a outros portugueses, e cobrarem pesadas multas por atrasos nos pagamentos.
A Maçonaria na Revolução Pernambucana de 1817
Devido à repressão que enfrentou ao longo do tempo, por motivos religiosos ou políticos, a Maçonaria tornou-se uma entidade reservada, dificultando uma pesquisa adequada de sua cronologia ou atuação nos movimentos ocorridos, o que abre espaço para lendas e especulações sem confirmação. A participação maçônica em alguns episódios brasileiros poderia ser erroneamente creditada por conta do fato dos conspiradores se reunirem em associações secretas, inspirados pelas mesmas ideias iluministas e libertárias que caracterizavam os encontros da Maçonaria. Outro engano comum na época dos movimentos era o das autoridades dos regimes monárquicos caracterizarem qualquer simpatia às ideias republicanas com “as francesias”, que equivaleriam aos ideais da Maçonaria, associando sempre ambos.
Portugal até então não havia fundado nenhuma universidade no Brasil. A elite intelectual brasileira era pequena e poucos possuíam recursos para custear um curso superior na Europa ou em seminários religiosos.
Por isso merece destaque o seminário de Olinda, fundado em 1800, que teve entre seus professores e alunos notáveis pensadores e militantes políticos liberais. Muitos deles deram importante contribuição às revoltas pernambucanas de 1817 e 1824 e à própria organização política do Império. (Andrade, 1995:10).
Na difusão das ideias liberais, se destacou o médico e botânico paraibano Manuel de Arruda Câmara, que estudou na França e trouxe para o Brasil os ideais maçônicos, fundando no Pernambuco em 1796 o “Areópago(3) de Itambé”, a primeira loja da Maçonaria oficialmente reconhecida no Brasil. Em 1814 há o estabelecimento em Recife da loja maçônica “Patriotismo”. Em 1816 funcionavam em Pernambuco mais três lojas: “Restauração”, “Pernambuco do Oriente” e “Pernambuco do Ocidente”, as duas últimas fundadas pelo comerciante mulato Antônio Gonçalves da Cruz, conhecido como “Cabugá”. Estas lojas eram apresentadas ao público como academias de intelectuais, pois os membros de sociedades secretas eram sujeitos a condenação por crime de lesa-majestade. Os maçons passaram a fazer reuniões sigilosas e discutir diversos assuntos, entre os quais estavam as "infames ideias francesas" e a elaboração de planos para uma revolução.
Entre eles destacavam-se os padres, comerciantes, militares, juízes e proprietários de terras e de escravos. Homens ricos, instruídos e poderosos, que buscavam alternativas variando de ideias conservadoras como uma Constituição que limitasse os poderes da família real portuguesa ao radicalismo de uma república independente com reforma tributária, baseada nas ideias de liberdade, igualdade e federação, que lhes permitisse manter os direitos e privilégios que possuíam na ordem colonial.
Entre os líderes e participantes da Revolução Pernambucana de 1817 estavam diversos maçons comprovados: padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro, Domingos José Martins e capitão Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa, os três eleitos membros da Junta Governista; padre Miguel Joaquim de Almeida Castro (padre Miguelinho), eleito Secretário de Estado do governo provisório; o capitão José de Barros Lima (Leão Coroado), capitão Pedro da Silva Pedroso e o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, responsáveis pelo início do levante no quartel de Artilharia e o comerciante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá), embaixador do governo provisório nos Estados Unidos e responsável pela compra de armas para a revolução.
O padre maçom Francisco Muniz Tavares, participante da revolução, descreve da seguinte forma a influência da Maçonaria no movimento pernambucano:
Na vida efêmera de 74 dias, decurso do regime republicano de 1817, a revolução espalhou-se rapidamente não só ao norte e sul, graças as credenciais de Suassuna preparando o espírito dos irmãos ao norte em repetidas viagens, de Teotônio Jorge fazendo o mesmo ao sul e de José Luiz Mendonça iniciando em sua casa os capitães do interior. Para o provar citamos as palavras de Oliveira Lima, referindo-se à generalização no centro da província e na Paraíba, onde não foi preciso inflamar a propaganda: “Os proprietários rurais, os militares e os populares que marchavam para a capital da capitania onde as lojas maçônicas havia anos se nutriam dos novos ideais, foram ali recebidos com efusão, sendo proclamado o novo regime no dia 13 de março e organizada uma junta temporária, a exemplo de Pernambuco.” (Pereira, 2010).
O início da Revolução Pernambucana
No dia 01 de março de 1817, o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros assinou uma denúncia de conspiração, confirmada por várias pessoas, encaminhada ao Ouvidor da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira.
Diante dos ânimos exaltados e da denúncia formal, com a intenção de evitar um levante, em 04 de março o governador comunicou uma ordem do dia para as tropas, chamando-as à obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e portugueses. No dia 05 de março, dirige uma proclamação à população louvando a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, dizendo que todos eram vassalos do mesmo soberano. No dia 06 de março de 1817, o governador ordena o estado de alerta nos fortes e quartéis, realiza um Conselho de Guerra, ordenando a prisão imediata de treze pessoas entre acusados e suspeitos, principalmente os militares, para neutralizar qualquer resistência.
Os civis foram presos com facilidade. Entretanto, no Regimento de Artilharia, o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”, seguido no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti.
Ao saber do ocorrido, o governador prontamente enviou seu ajudante de ordens, tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Este, ao entrar no quartel, gritando ordens aos amotinados, foi morto por tiros comandados pelo capitão Pedro da Silva Pedroso.
Os militares rebeldes do quartel da artilharia foram para as ruas e em pouco tempo ocuparam os bairros de Santo Antônio e do Recife, no centro da cidade, libertando os civis republicanos que estavam presos. Temendo ser aprisionado e não confiando em suas tropas, o governador, acompanhado de alguns militares da guarda do palácio, refugiou-se na guarnição da Fortaleza do Brum, junto ao porto.
O marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da Capitania, resiste com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o Palácio do Governo e a Casa do Erário(4), mas a falta de munição e de orientações do governador convence-no a se render. Acompanhado de seus homens, é permitido juntarem-se ao governador na Fortaleza do Brum.
A rebelião ganha adesão das camadas mais pobres da população. Os bairros São José e Boa Vista são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses, temendo agressões e saques, fecham suas lojas e se escondem ou abandonam Recife com suas posses, fugindo para a Bahia e informando os fatos a seu governador.
Recife na Revolução Pernambucana de 1817
Imagem:
ANDRADE, MANUEL Correia de. A Revolução Pernambucana de 1817. São Paulo: Ática,1995. p. 16-17.
Já no dia 07 de março, com Recife e Olinda dominadas, a notícia da revolução espalha-se pelo interior da capitania. Proprietários de terras dos arredores e comandantes de outras guarnições militares vêm à capital garantindo apoio.
Cercado na fortaleza com poucos militares e funcionários, sem condições de resistir, o governador assinou um ultimato que lhe foi levado pelo também revolucionário juiz José Luís de Mendonça, entregando o governo da capitania aos revoltosos. No dia 09 de março de 1817 embarcou com os sitiados da fortaleza para o Rio de Janeiro. Ao chegar na capital do reino em 25 de março, confirmou a notícia da revolução ao Ministro Interino dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Araújo e Azevedo, o primeiro conde da Barca, que responsabilizando o governador deposto pela derrota, imediatamente o recolhe preso à Ilha das Cobras, onde ficará por quatro anos, ocupando depois cargos na corte carioca
Enquanto isso, em Recife, o governo republicano se consolidava com rapidez. Ainda em 07 de março, inspirados no Diretório francês de 1795, foram reunidos dezesseis dos mais notáveis cidadãos locais, dos quais dois eram negros, e elegeram uma junta com cinco membros representantes das categorias que lideravam o movimento, tendo como presidente o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. No dia 08 foi criada a Secretaria de Estado, entregue, a princípio, ao mesmo secretário do governo português anterior, José Carlos Mayrink da Silva Fernão e, posteriormente, ao padre Miguelinho. Criou-se nesse mesmo dia o Conselho de Estado, com função de prestar assessoria à Junta Governista.
A Presidência do Erário ficou a cargo do rico negociante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá) que, ao partir como embaixador para os Estados Unidos, a entregou a Gervásio Pires Ferreira.
Nomeou-se o tenente Felipe Nery Ferreira como Juiz de Polícia; a Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa como General-em-Chefe do Exército e como General de Divisão a Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, vulgo Suassuna, então Capitão-Mor de Olinda.
Desde o início, o governo procurou o apoio da elite local, evitando radicalismos, conciliando interesses de brasileiros e portugueses, respeitando os compromissos com a Igreja Católica e confirmando a propriedade dos senhores sobre suas terras e escravos. Os revolucionários afirmavam que, apesar de necessária, a abolição da escravidão só seria realizada a longo prazo e com as garantias legais.
Na proclamação de 29 de março, o governo revolucionário anunciava a convocação de uma Assembléia Constituinte formada pelos representantes eleitos de todas as comarcas, estabelecia a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mantinha o catolicismo como religião oficial – mas tolerando os demais cultos cristãos – e proclamava a liberdade de imprensa. Anunciava ainda que o governo provisório seria imediatamente substituído pelo governo eleito após a aprovação da Constituição da República. (Andrade, 1995:19).
Para conquistar a simpatia do povo, este projeto de Lei Orgânica (que é o primeiro texto constitucional brasileiro) aumentou em três ou quatro vezes o soldo dos militares e promoveu os oficiais revoltosos, alguns em até três graus na hierarquia. Os impostos sobre a carne e outros alimentos essenciais foram abolidos, proibiu-se a detenção por simples denúncia, estabeleceu que os estrangeiros da região que dessem provas de adesão seriam considerados "patriotas" e permitiu-se a permanência de portugueses que não se opusessem ao modelo republicano. Garantiu o direito de propriedade (inclusive de escravos), anulação de processos civis e criminais movidos pela Coroa Portuguesa, o sequestro dos bens dos negociantes que fugiram por causa da revolução e determinou-se a cunhagem de novas moedas.
Adotou-se uma nova bandeira e, imitando a Revolução Francesa, substituiu-se o tratamento português de “vossa mercê” por simplesmente “vós” de forma a destacar a igualdade entre as pessoas, além de tratarem-se pelo termo “patriota” ou usarem este no lugar de usual “senhor”. Alguns padres mais entusiasmados, para marcar a identidade nativa, usaram aguardente nas missas em lugar do vinho e hóstias feitas de mandioca em lugar do trigo.
Para a publicação das leis e outras resoluções, se fundou em Recife a primeira tipografia da capitania (e terceira do Brasil, onde, à época, funcionavam apenas a Impressão Régia, no Rio de Janeiro, e a tipografia de Manuel Antônio da Silva Serva, na cidade de Salvador).
Entretanto era difícil o consenso dos interesses entre os envolvidos: senhores de engenho, escravos libertados, militares e intelectuais que desejavam emprego na administração pública.
Alguns dos participantes apenas ganhavam tempo, aguardando uma reação das forças leais ao governo português. Manuel Correia de Araújo, membro da Junta Governista representando os senhores de engenho, viria mais tarde colaborar com as forças governistas de repressão. Antônio de Morais Silva, senhor de engenho e respeitado intelectual, autor de um famoso dicionário, não compareceu às reuniões do Conselho de Estado para o qual foi nomeado, sempre alegando doença. Outros, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que comandou o ataque das forças militares pernambucanas, tiveram atitudes dúbias quando a revolução foi derrotada.
Além do conflito de interesses, havia uma grande massa de escravos em relação aos quais era necessário tomar decisões claras. Entre os revolucionários mais radicais, existiam os que propunham a abolição do trabalho servil, como forma a ganhar a adesão destes. Esta posição encontrava forte oposição dos proprietários rurais, cuja riqueza dependia do trabalho escravo.
Após debates iniciais, as lideranças revolucionárias assumiram uma posição ambígua quanto à questão. Os escravos não foram libertados e a participação dos negros no movimento tornou-se limitada.
Adesões à Revolução Pernambucana
O movimento ganhou o apoio da Ilha de Itamaracá, decretou a prisão do juiz de foro da cidade de Goiana, associado à Monarquia e mandou emissários para outras capitanias procurando apoio.
O capitão José de Barros Falcão de Lacerda, que entre 1811 e 1812 foi comandante do presídio da Ilha de Fernando de Noronha, foi designado para ir a esta ilha, neutralizar suas fortificações e trazer para Recife os arquivos militares, a maioria dos militares que lá se encontravam em serviço e recrutar presos condenados por penas leves.
Para a Bahia foi por mar o padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (padre Roma). Parando em Sergipe, consegue a adesão do tenente-coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, comandante de Alagoas, então comarca de Pernambuco. Chegando, porém às imediações da cidade de Salvador, foi preso ao desembarcar na praia de Itapoã, por ordem do governador da capitania baiana, onde já havia chegado a notícia da rebelião pernambucana. Padre Roma ainda teve tempo de jogar na água papéis comprometedores que trazia. O que não impediu que fosse rapidamente julgado, condenado e fuzilado em 29 de março de 1817, três dias depois de ser preso.
Para o Ceará seguiu por terra o jovem subdiácono(5) José Martiniano de Alencar que, após participar juntamente com seus familiares da proclamação da república na vila do Crato em 03 de maio de 1817, foi preso neste local com os outros envolvidos e enviados para Fortaleza. A República do Crato durou apenas oito dias, não contando com a participação de parte de sua população, o que facilitou o fim do movimento na cidade e consequentemente no Ceará.
Na Paraíba e Rio Grande do Norte instalaram-se também, com rápida e fácil adesão, governos republicanos aliados ao pernambucano. Destacam-se os governos revolucionários pernambucano e paraibano pela intensa documentação criada em seu pouco tempo de existência.
Na Paraíba, repleta de ex-alunos do Seminário de Olinda e primeira a aderir à revolução, o movimento se iniciou poucos dias depois de Recife, na vila de Itabaiana, graças ao apoio de sua principal autoridade militar, o tenente-coronel de cavalaria de linha Francisco José da Silveira. Além dele, participaram ativamente João Batista Rego, um dos chefes locais e proprietário de terras, além de Manuel Clemente Cavalcante, jovem de importante família local e que estudou em Recife. Manuel Clemente provocou um levante dos proprietários e recebeu apoio de várias vilas e povoações vizinhas, marchando sobre a cidade de Pilar e em seguida sobre a capital, a cidade da Paraíba. Não havendo resistência, formou-se uma junta governativa republicana em 13 de março de 1817. No entanto, muitos proprietários que a princípio apoiaram o movimento não gostaram da forma como foi realizada a eleição da junta, por considerarem que a escolha de seus membros não beneficiava igualmente a todos. Alguns retornaram a suas terras, apoiando depois a reação governista.
No Rio Grande do Norte, então capitania subalterna de Pernambuco, o governador, capitão-mor José Inácio Borges, considerado como simpatizante das ideias liberais, procurou na cidade de Goianinha o rico proprietário do engenho Cunhaú, coronel de milícias André de Albuquerque Maranhão, para um pacto sobre a defesa da monarquia. André Maranhão, depois de hesitar durante algumas horas, mandou prender o governador quando este pernoitava no engenho Belém, retornando à Natal. Enviou-o preso para Recife. Em 29 de março de 1817, diante do desinteresse da população, criou-se uma junta revolucionária dirigida pelo padre Feliciano José Dornellas e composta pelo coronel André de Albuquerque Maranhão, o tenente-coronel José Peregrino e o capitão-mor João de Albuquerque Maranhão.
A diplomacia dos revolucionários pernambucanos no exterior
Ao mesmo tempo em que o governo revolucionário pernambucano procurava a adesão de outras capitanias, enviava representantes ao exterior para conseguir apoio. Para a manutenção da nova república, movimentou-se a maçonaria em conseguir simpatia e recursos junto às suas lojas de Londres e, em particular, dos Estados Unidos.
Para o Rio da Prata (Argentina) seguiu Félix José Tavares de Lima, com instruções para conseguir também ajuda entre os paraguaios, mas não obteve resultados.
Para a Inglaterra foi Henry Kesner, um comerciante inglês residente em Recife, para se encontrar com o ministro Lord Castlereargh e pedir proteção daquele país para a república pernambucana. O governo inglês, porém, permaneceu neutro. Kesner também entregou documentos ao jornalista Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça convidando-o para defender a causa da revolução em Londres e lhe oferecendo o cargo de ministro plenipotenciário(6) da nova República. Este se negou a fazê-lo e publicou em sua revista (Correio Brasiliense) os documentos recebidos, com censuras ao movimento, que julgou imprudente e contrário aos interesses do Brasil.
Para os Estados Unidos foram o tenente Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira e o negociante maçom Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá). Desembarcaram em maio de 1817 na Filadélfia com 800 mil dólares (aproximadamente 12 milhões de dólares, atualizado ao câmbio de 2007) e três objetivos: comprar armas e munições, convencer o governo americano a apoiar os rebeldes em troca de gêneros livres de impostos por vinte anos aos comerciantes americanos e recrutar oficiais norte-americanos da marinha ou antigos revolucionários franceses exilados nos Estados Unidos para, com a ajuda destes, melhorar a organização da revolução em Pernambuco.
Em troca da participação dos oficiais franceses, os pernambucanos os apoiariam na libertação de Napoleão Bonaparte, exilado então pelos ingleses na Ilha de Santa Helena, transportando-o para Recife e posteriormente para os Estados Unidos.
Cabugá dedicou-se aos encontros diplomáticos e recrutamento dos militares enquanto Domingos Malaquias ocupou-se das medidas práticas para a compra das armas. Cabugá chegou a se encontrar com o ex-presidente americano Adams e com o Secretário de Estado, Richard Rush, mas somente conseguiu o compromisso de que, enquanto durasse a rebelião, os Estados Unidos autorizariam a entrada de navios pernambucanos em águas americanas e que também aceitariam dar asilo ou abrigo a eventuais refugiados, em caso de fracasso do movimento.
Os Estados Unidos ignoraram a proposta de apoio e prontamente (assim com a Inglaterra) legislaram no sentido de ser proibido o fornecimento oficial de armas e munições aos rebeldes.
Conflitos na Revolução Pernambucana de 1817
O dividido governo provisório pernambucano entrou em crise quando Domingos José Martins, que havia formado uma tropa com trezentos escravos negros tirados de seus senhores, prometeu-lhes alforria para incentivá-los à luta. Para piorar a situação, Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa incentiva os negros a uma rebelião pela liberdade, enquanto o governo provisório (do qual os dois eram líderes na Junta Governista) tentava tranquilizar a população, principalmente os ricos senhores de terras, quanto ao direito de propriedade.
O fato é que as elites agrárias poderiam ser anticolonialistas ou liberais, mas não eram antiescravistas, uma vez que sua riqueza dependia dessa mão-de-obra. E isso valia não apenas para os nordestinos, mas para todo o Brasil da época.
Estas contradições causaram a perda de confiança das classes ricas que participavam da revolução, levando a maioria dos proprietários de terras e escravos do interior da capitania a apoiar o exército real e colaborar na reconquista de Recife.
Os senhores de engenho não apoiaram a revolução e os comerciantes ainda menos. Portugueses em sua maioria, poucos deles se aliaram aos rebeldes. Apenas alguns, geralmente brasileiros, ficaram com os revolucionários, como Domingos José Martins e Gervásio Pires Ferreira.
Após o fim da revolução, muitos senhores de engenho e comerciantes alegaram que tinham colaborado com os rebeldes à força ou à espera de uma oportunidade para enfrentá-los. Um bom exemplo deste oportunismo é o caso e José Carlos Maynrink da Silva Ferrão, que era secretário do governador deposto pelos revolucionários, continuou neste cargo durante a breve república pernambucana e depois que os revolucionários foram derrotados permaneceu ligado ao governo português.
Em Pernambuco, mesmo com a posse dos principais centros urbanos (Recife e Olinda), a revolução republicana não conseguiu impor seu domínio sobre todo o território da capitania. Apesar das vitórias nas capitais da Paraíba e do Rio Grande do Norte, havia nestas capitanias focos de resistência no interior e desinteresse ou atitude duvidosa de parte da população.
A defesa do território conquistado pelos revolucionários era difícil. O governo revolucionário contava com aproximadamente 3 mil homens, entre militares do Exército e civis voluntários, o que era uma tropa pequena em comparação ao tamanho do território. Os rebeldes tentaram organizar uma cavalaria, oferecendo o posto de capitão a quem formasse uma companhia de aproximadamente cem homens, mas não possuíam oficiais competentes para isso. Com uma grande faixa litorânea para defender e sem uma marinha de guerra, os pernambucanos aparelharam um brique(7), duas canhoneiras e uma embarcação mercante, colocando-os sob o comando de Luís Francisco de Paula Cavancanti, proprietário rural sem prática de navegação.
O governador da Bahia, capitão-general Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos Arcos, após o fuzilamento do padre Roma, mesmo sem instruções do governo do Rio de Janeiro, rapidamente mobilizou os recursos militares da capitania, transformando-a na base das forças portuguesas para conter as forças revolucionárias.
Sem demora, em 28 de março de 1817, enviou para Alagoas uma força terrestre como vanguarda, sob o comando do major José Egídio Gordilho Veloso de Barbuda para combater a pequena tropa de que dispunha Borges da Fonseca. A tropa alagoana dispersou sem oferecer resistência e seu chefe foi preso. Ao mesmo tempo avançavam rumo a Recife uma frota, armada às pressas, para realizar o bloqueio de seu porto, e por terra a maior parte da tropa, com aproximadamente 4 mil homens, sob o comando do marechal Joaquim de Melo Leite Cogominho de Lacerda. Quando as tropas atravessaram o Rio São Francisco em 01 de maio, marcharam sem dificuldades, com o apoio dos proprietários alagoanos, para o norte em direção a uma Recife já bloqueada pelo mar, pela força naval baiana comandada pelo capitão Rufino Pires.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a notícia da revolução causou grande repercussão na população. Imediatamente após saber da revolução pernambucana, a Coroa despachou para Recife uma pequena esquadra composta de uma fragata, duas corvetas e uma escuna, sob o comando do contra-almirante Rodrigo José Ferreira Lobo e as nações amigas foram notificadas do bloqueio naval aos rebeldes.
Reuniu-se, sob a supervisão pessoal de Dom João VI, a maior parte do material e contingentes militares disponíveis em meio a manifestações de apoio, com particulares fazendo doações para a compra das armas e munições necessárias, enquanto voluntários alistavam-se para as tropas de milícias.
Do Rio de Janeiro, em 02 de abril de 1817, seguiu uma expedição militar, que sob as ordens do capitão-general Luis do Rego Barreto, reunia duas naus de guerra e de nove a dez embarcações menores levando quatro batalhões de infantaria, dois esquadrões de cavalaria e um destacamento de artilharia com oito canhões, num total de 4 mil homens. Foi enviada ao mesmo tempo, para Portugal, ordem de trazer dois regimentos de infantaria, num total de 2600 homens, parte destinada a reforçar a expedição incumbida a Luis do Rego Barreto, enquanto outra parte deveria ficar em Salvador.
A pronta ação do Conde dos Arcos [...] parece ter inibido qualquer manifestação na Bahia por parte de simpatizantes do movimento, que, ao que tudo indica, não seriam poucos. Na própria Corte suspeitou-se da existência daqueles simpatizantes, e, ao se ter notícia da Revolução, um dos principais atos do Governo foi mandar proceder a uma devassa sobre os acontecimentos, que a muitos fez colocar na prisão no Rio de Janeiro. (Mourão, 2009:22).
No dia 20 de abril, de acordo com o padre pernambucano Dias Martins, “proclama-se a Pátria em perigo” e lança-se mão da convocação de escravos (pelo que seus senhores seriam indenizados) para integrarem as forças que, sob as ordens dos principais líderes militares iriam combater as tropas vindas da Bahia. A maioria dos senhores de terra não atendeu à convocação, não havendo, portanto, significativo reforço nas forças revolucionárias.
Em 23 de abril a esquadra carioca chega a Recife, completando o bloqueio naval da cidade. O plano da Coroa Portuguesa era atacar por duas frentes: bloquear Recife pelo mar, aproveitando o ponto fraco da ausência de uma marinha de guerra e impedir a retirada dos rebeldes por terra.
Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque marcha pelo interior da capitania pernambucana comandando a maior parte das tropas republicanas ao encontro da tropa vinda da Bahia, encontrando no trajeto forte antipatia dos proprietários de terra e das autoridades locais. Nessa expedição os revolucionários venceram algumas forças organizadas às pressas pelos senhores locais, obrigando-as a ir para o sul.
Na medida em que as tropas vindas da Bahia penetram nos territórios alagoano e pernambucano, vários povoados os apoiam. Percebendo a fragilidade das forças revolucionárias, partidários leais à Coroa iniciam ataques nas capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Ocorrem combates no interior e pequenas localidades. Em algumas vilas, como na paraibana Mamanguape, os rebeldes resistem casa por casa, mas são obrigados a recuar para a capital.
A primeira derrota dos rebeldes pernambucanos ocorreu em 02 de maio na batalha do engenho Utinga, seguida de outra mais grave, em 13 de maio, no engenho Trapiche, perto de Serinhaém. Nesta última, em desvantagem numérica, os republicanos abandonam toda sua artilharia e boa parte de sua munição, além de ter aproximadamente 300 homens feitos prisioneiros. Diante da impossibilidade de sustentar o ataque, as forças rebeldes retiram-se durante a noite para Recife.
Outra expedição republicana que seguia pelo litoral, liderada por Domingos José Martins, membro da Junta Governista, foi surpreendida em 16 de maio pelo capitão José dos Santos, das milícias de Penedo, quando este atravessa o Rio Merepe comandando quase 300 homens em duas companhias de infantaria, duas de pardos de Penedo e uma de caboclos do Atalaia. O destacamento republicano foi dizimado próximo ao engenho Pindoba e Domingos José Martins foi ferido e preso.
Cerco e rendição de Recife
O cerco das tropas baianas com um efetivo de aproximadamente 4 mil homens se fecha sobre Pernambuco por terra e mar, e em Recife a comida começa a faltar. Percebendo a situação insustentável, o governo provisório manda o ouvidor José da Cruz Ferreira com uma proposta de rendição ao almirante Rodrigo Lobo, caso fosse concedida anistia a todos rebeldes e o direito de saírem do país quando quisessem. O almirante só aceita a rendição incondicional.
Ao saber da resposta, parte da população se prepara para defender a cidade e outra parte foge para bairros distantes e povoados que ofereciam maior segurança. Os ricos comerciantes portugueses se unem e oferecem 100 contos aos membros do governo para que renunciem à luta e saiam da cidade. A oferta é recusada. Tentando controlar a situação, a Junta Governista concede poderes ditatoriais ao representante das Forças Armadas, ex-capitão e agora general Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa.
Chega então a Recife, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque com o que resta das tropas revolucionárias, derrotadas nas batalhas dos engenhos Utinga e Trapiche.
Em 17 de maio, Domingos Theotônio envia novamente o ouvidor como mensageiro à presença do almirante com o aviso de que o chefe republicano insiste na proposta de rendição com anistia e espera uma resposta favorável o meio-dia do dia seguinte, caso contrário seriam degolados todos os militares e civis do partido realista presos. Além disso, também seriam mortos todos os portugueses que se encontravam na cidade e os bairros de Boa Vista, Santo Antônio e Recife seriam incendiados e arrasados.
Novamente o almirante não cede e se passa o prazo do dia 18 de maio. Na manhã de 19 de maio, Domingos Theotônio resolve abandonar a cidade levando para o interior algumas forças, equipamento militar e os cofres do tesouro público, com a intenção de resistir em local e momento mais favoráveis utilizando tática de guerrilhas. Foi acompanhado pelos membros do governo, padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro e o ouvidor Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. No final da tarde, a tropa acampa no engenho Paulista, distante aproximadamente 20 quilômetros de Olinda.
As forças republicanas que permanecem em Recife, constituídas em sua maior parte de milícias irregulares, não tinham condições de superar forças militares profissionais em maior número e com mais armamento. Para evitar maior derramamento de sangue e pensando em sua situação pessoal, ainda no dia 19 de maio, o general Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque abre negociações com os chefes militares portugueses. O almirante Rodrigo Lobo exige a rendição incondicional e imediata dos revolucionários.
O governo provisório republicano de Pernambuco, isolado e sem defesas, se rende incondicionalmente em 20 de maio de 1817, depois de 74 dias de existência, e o almirante Rodrigo Lobo desembarca em Recife, assumindo o governo da capitania.
O almirante foi recebido com festas e é aclamado nas ruas aos sons dos sinos das igrejas e banda de música. Grande parte da população de Recife, que em março comemorou a revolução republicana, celebrou em maio a restauração do regime monárquico. Pessoas invadem as casas dos chefes da revolução, saqueando e queimando-as. A bandeira portuguesa é hasteada nos mastros dos quartéis e repartições públicas, saudada pela artilharia das fortalezas.
Prisões e mortes dos revolucionários de 1817
No acampamento da tropa revolucionária em retirada, próximo à meia-noite, os líderes derrotados se reúnem em conselho buscando uma resolução, que não é alcançada. Após esta reunião, o padre João Ribeiro entra na capela do engenho e enforca-se. Ao longo da noite, na ânsia de salvar a vida, as pessoas aos poucos vão se retirando e na manhã seguinte não restava quase ninguém no engenho Paulista. O equipamento militar e os cofres com o tesouro público permaneceram, intactos, no local.
Domingos Theotônio e padre Miguelinho são presos enquanto tentam fugir. O ouvidor Antônio Carlos apresenta-se voluntariamente na cadeia de Igaraçu. José Luís de Mendonça, que não saiu de Recife, se apresenta ao almirante Rodrigo Lobo. Estes e outros presos envolvidos no movimento são enviados em três navios de guerra para a Bahia para serem julgados.
No Rio Grande do Norte, em 26 de abril de 1817 os legalistas já haviam deposto a junta revolucionária, ocasião em que foi morto por espadas o coronel de milícias André Albuquerque de Maranhão, membro da junta revolucionária. Em junho reassumiu o governo da capitania o capitão-mor José Inácio Borges.
Na Paraíba, percebendo as dificuldades do movimento republicano em Pernambuco, uma junta legalista local conseguiu retomar posse com um governo interino em 07 de maio de 1817, prendendo os principais líderes republicanos locais.
O capitão José de Barros Falcão de Lacerda, retornando da Ilha de Fernando de Noronha, foi detido juntamente com alguns militares e ex-presos que estavam na ilha, ao desembarcarem na Baía da Traição, na Paraíba. Para a ilha foi mandada parte da frota que bloqueava Recife, dominando facilmente os poucos militares que lá se encontravam.
A revolução pernambucana e a independência do Brasil
Se a Conjuração Mineira foi o primeiro movimento de caráter republicano na história brasileira que preocupou as autoridades portuguesas, foi a Conjuração Baiana, mais ampla e popular em sua composição social e proposta, a primeira revolução articulada pelas camadas populares que pretendiam uma república abolicionista, defendendo o fim da escravidão e a participação igualitária de todas as raças na administração pública.
A Revolução Pernambucana tem o duplo mérito de ser o primeiro ato concreto de contestação ao domínio português em solo brasileiro, colocando em prática as ideias republicanas, e de ser a ocasião em que se inicia a diplomacia no Brasil, com correspondência partindo do solo brasileiro para outras nações, tanto por parte da Coroa Portuguesa quanto do governo republicano pernambucano. Por estes motivos, é considerada o embrião da formação política da atual nação brasileira.
A Revolução de 1817 é o marco fundador da História Diplomática do Brasil. Até o dia 6 de março daquele ano, o Brasil, não somente aos olhos dos próprios cidadãos que o habitavam, mas aos olhos do mundo, era apenas o território português na América, antes colônia, e, por aquela época, felizmente constituído em Reino Unido. [...] Até aquele 6 de março, toda a América espanhola estava insurgida e revolucionada. [...] O Brasil, entretanto, permanecia pacificamente português, nem um único sinal conhecia o mundo de um mais remoto desejo de independência, seja de Portugal, seja da Monarquia da dinastia de Bragança.
[...]
A correspondência diplomática internacional, a cobertura da imprensa e a própria consciência das elites na América portuguesa revelam que a Revolução de 1817 fez o Brasil, pela primeira, vez partícipe do movimento libertador que inflamava o resto do continente. O Brasil surgia não mais como a colônia ou o reino unido português bragantino, mas como uma entidade nacional com vontade própria de soberania, com vontade própria de liberdade, com vontade própria de reorganização social. (Mourão, 2009:174-175).
Há um crescente número das pessoas executadas após julgamento. Na Conjuração Mineira em 1789 foi uma pessoa, na Conjuração Baiana em 1798 foram quatro e na Revolução Pernambucana em 1817 foram treze.
Em Pernambuco não houve mudanças nas sentenças iniciais. O número de executados seria ainda maior, não fosse as intervenções de Dom João VI em 1818, determinando o fim de novas investigações e prisões, e em 1821, declarando anistia aos que ainda se encontravam presos, aguardando o final do processo judicial. Estas atitudes visavam conseguir apoio popular em um momento que o rei iniciava seu governo, pressionado por fortes nações e ideologias estrangeiras.
O aumento no número e nível das punições é sinal inequívoco da necessidade e dificuldade cada vez maiores das autoridades portuguesas em intimidar e submeter os brasileiros. Não mais bastavam poucos executados, seguidos de alguns degredados, para oprimir rebeldes. Julga-se então necessário também arrastar os corpos à cavalo, fuzilar, condenar à prisão e ao degredo centenas de pessoas, entre civis, militares e cléricos, pessoas de todas as classes sociais, representantes de diversas categorias intelectuais e econômicas.
Em uma avaliação final, pode-se afirmar que as conjurações mineira e baiana falharam em proclamar a república e a revolução em Pernambuco não conseguiu mantê-la, mas estes movimentos tiveram destacado papel no processo de pressão política que conduziu à proclamação da independência do Brasil em 1822.
domingo, 12 de março de 2017
A POLÍTICA DO CAFÉ-COM-LEITE
A Política Café-com-Leite consistiu em um sistema de revezamento de poder entre paulistas e mineiros.
Damos o nome de Política Café-com-Leite ao arranjo político que vigorou no período da história do Brasil conhecido como República Velha. O mesmo se baseou em uma espécie de acordo entre as oligarquias das províncias de São Paulo e Minas Gerais e o governo federal no sentido de controlar o processo sucessório, de forma que somente políticos paulistas e mineiros fossem eleitos à presidência.
Isso foi possível pelo fato de Minas Gerais ter sido a província mais populosa na época e, consequentemente, ter a maior representação na Câmara dos Deputados. São Paulo vinha logo atrás. Além disso, estas eram as duas regiões mais ricas do Brasil. O nome “café-com-leite” deriva das principais atividades econômicas praticadas nestas províncias: São Paulo era o maior produtor de café e Minas Gerais era um grande produtor de leite.
A base da política café-com-leite tinha nome: coronelismo. Na época, os coronéis, grandes latifundiários, tinham o direito de formar milícias em suas propriedades e combater qualquer levante popular. Assim, trabalhadores e camponeses se viam subordinados ao poder militar e, sobretudo, político dos coronéis. Contrariar o candidato preferido do coronel na eleição, por exemplo, era uma atitude que resultava em sérias e violentas consequências, uma vez que o voto era aberto. Essa dinâmica eleitoral ficou conhecida como “voto de cabresto”.
Desta forma, os coronéis optavam por candidatos da política café-com-leite, e estes, além de focar suas decisões no sentido de proteger os negócios dos latifundiários, lhe concediam regalias, cargos públicos e financiamentos.
No entanto, com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, o preço do café brasileiro caiu drasticamente, realidade que levou a uma grave crise de superprodução. Essa fragilidade econômica de São Paulo (os maiores produtores de café do país) foi decisiva para que Minas Gerais tenha se juntado ao Rio Grande do Sul e à Paraíba na formação da chamada Aliança Liberal, movimento que posteriormente resultou na eleição do gaúcho Getúlio Vargas à presidência, marcando o fim da política café-com-leite.
Revolta da Vacina
O que foi
A Revolta da Vacina foi uma revolta popular ocorrida na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904. Ocorreram vários conflitos urbanos violentos entre populares e forças do governo (policiais e militares).
Causas principais
- A principal causa foi a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, realizada pelo governo brasileiro e comandada pelo médico sanitarista Dr. Oswaldo Cruz. A grande maioria da população, formada por pessoas pobres e desinformadas, não conheciam o funcionamento de uma vacina e seus efeitos positivos. Logo, não queriam tomar a vacina.
- O clima de descontentamento popular com outras medidas tomadas pelo governo federal, que afetaram principalmente as pessoas mais pobres. Entre estas medidas, podemos destacar a reforma urbana da cidade do Rio de Janeiro (então capital do Brasil), que desalojou milhares de pessoas para que cortiços e habitações populares fossem colocados abaixo para a construção de avenidas, jardins e edifícios mais modernos.
O que aconteceu durante a revolta
- Muitas pessoas se negavam a receber a visita dos agentes públicos que deviam aplicar a vacina, reagindo, muitas vezes, com violência.
- Prédios públicos e lojas foram atacados e depredados;
- Trilhos foram retirados e bondes (principal sistema de transporte da época) foram virados.
Reação do governo e consequências
- O governo federal suspendeu temporariamente a vacinação obrigatória.
- O governo federal decretou estado de sítio na cidade (suspensão temporária de direitos e garantias constitucionais).
- Com força policial, a revolta foi controlada com várias pessoas presas e deportadas para o estado do Acre. Houve também cerca de 30 mortes e 100 feridos durante os conflitos entre populares e forças do governo.
- Controlada a situação, a campanha de vacinação obrigatória teve prosseguimento. Em pouco tempo, a epidemia de varíola foi erradicada da cidade do Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro durante a Revolta da Vacina. Em 1904, a cidade era a capital do país e vivia os primeiros anos da República. Ela passava então por uma intensa reforma para ficar mais bonita e agradável de se viver. Nos portos do Rio, muitas negociações eram feitas, mas os estrangeiros que desembarcavam não ficavam com uma boa impressão: encontravam uma cidade feia, com esgoto a céu aberto, famílias vivendo juntas em casas muito pequenas e doenças graves como a varíola. A saúde pública era um dos principais problemas do país. Por isso, algumas medidas precisavam ser tomadas para melhorar a situação, entre elas, campanhas de vacinação, como a sugerida por Oswaldo Cruz.
A POLÍTICA DO ENCILHAMENTO
A “crise do encilhamento” ou simplesmente o “encilhamento” foi uma fase da economia brasileira, a primeira crise da República. Ocorreu no fim do período monárquico, mais precisamente no final do segundo reinado, mas se fez sentir propriamente durante o Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, entre 1889 e 1891. O nome que se dá à crise (encilhamento) se refere à prática de corrida de cavalos. Encilhamento é a colocação dos cavalos em suas posições para a largada.
Marechal Deodoro da Fonseca. Foto: Albert Henschel (1881) / via Wikimedia Commons
Marechal Deodoro da Fonseca. Foto: Albert Henschel (1881) / via Wikimedia Commons
O Governo provisório de Deodoro da Fonseca visava, em primeiro lugar, manter a ordem no país após a brusca mudança de regime em 1889, pacificando conflitos e gerando certa estabilidade até que houvesse uma normalização política e legal através de uma Constituição.
Uma das primeiras e principais medidas do novo governo foi a instauração de um federalismo, onde antigas províncias passaram a ser estados de uma república. Essa mudança foi expressa inclusive no nome do país, que nesse momento muda e passa a ser “Estados Unidos do Brasil” numa clara alusão ao alinhamento brasileiro aos Estados Unidos da América.
A economia do país vinha sofrendo com as mudanças políticas. Entre os novos ministros escolhidos pelo governo, essa pasta foi colocada sob responsabilidade de Rui Barbosa, proeminente figura política da época.
O objetivo de Rui Barbosa era a modernização do país. Essa modernização, segundo ele, viria através de um forte investimento em industrialização. Esse avanço, no entanto, tinha um preço que o governo àquela altura não poderia pagar. O governo necessitava de reservas cambiais suficientes para a empreitada, a situação deixada pela monarquia era de fragilidade econômica e, por conta disso, o governo não poderia realizar empréstimos.
Diante do impasse, o ministro Rui Barbosa dá a ordem de aumento da emissão de papel-moeda (dinheiro) que favoreceria o crescimento econômico, aliado à formação de um mercado consumidor, advindo do trabalho assalariado, categoria que se ampliou com o fim da escravidão. Além disso, o governo resolveu facilitar empréstimos para iniciativas que visassem a industrialização e a recuperação econômica do país. Como consequências dessas medidas, o país experimentou séria inflação, com aumentos consideráveis de preços das mais variadas mercadorias.
Para estruturar e organizar essas atividades, o governo dividiu o Brasil em 4 grandes áreas de administração pública, sendo que cada uma delas teria um banco para organizar essas operações. As áreas determinadas foram a Bahia, o Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
A oferta de crédito fácil, mesmo que tenha gerado crescimento econômico, também possibilitou atos criminosos. Especuladores criaram grandes expectativas e logo colocaram as ações na bolsa de valores para a venda. Houve grande volume de compras de mercadorias com o único objetivo de revenda com lucros. Esse efeito dominó causa uma grande desorganização econômica.
A crise é sentida e o ministro da economia se demite em 1891, deixando pra trás uma economia brasileira à beira do colapso.
Bibliografia:
Carvalho, José Murilo de (1987). Os Bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi Cia das Letras
sábado, 11 de março de 2017
A ÁFRICA NEGRA ANTES DOS EUROPEUS – O IMPÉRIO MALI E O REINO DO CONGO
A história registra a existência de diversos povos na África, entre os séculos VIII e XVII. Esse período compreende os relatos sobre a existência de impérios e reinos prósperos, como o Império do Mali e o Reino do Congo.
O Império Mali localizava-se no deserto do Saara, na África ocidental. Por serem escassos os vestígios arqueológicos desse povo, a maior parte dos relatos sobre sua existência foi revelada pelos griots, cantores, músicos e poetas que transmitem as histórias de seu povo.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEheev-50kOZC01v0SnL6YjRmIjXqyL-ia2SdjdJxk7nuLURByp3h7OiWpbH2kjLLfeLa99a7VumYEjoVK6lWgG4BiETCDM-oT-vFRjnjcleXNdZfG6lM9hE_oIJPJnVzbsM3TMdlAlIUg0/s320/congo+1.jpg)
O manicongo possuía um trono e recebia de seus súditos impostos que eram pagos com produtos (metais, frutas, gado e marfim) ou em dinheiro (nzimbu, uma espécie de concha marinha da Ilha de Luanda cuja extração era monopólio real), além disso era o próprio juiz e resolvia pessoalmente e em praça pública disputas judiciárias de seu povo.
No final do século XV, o navegador Diogo Cão chegou a foz do rio Congo, e o manicongo o recebeu cordialmente, talvez por temer as armas de fogo. A recepção amistosa permitiu aos portugueses interferir diretamente na política africana.
Com a morte do rei do Congo, seus dois filhos iniciaram a disputa pelo trono. Um deles, Nzinga Mbemba, foi ajudado pelos portugueses e venceu o irmão. Mbemba converteu-se ao cristianismo e adotou um nome português, Affonso, absorvendo a cultura européia através de estudos realizados junto a padres. Affonso I pretendia fortalecer seu reino, mas o rei de Portugal enviou à região traficantes interessados em escravizar e vender os negros.
Ao perceber a intenção dos europeus, Affonso I apelou ao rei de Portugal e ao Papa, a fim de proibir o tráfico de negros, contudo em vão. O reino do Congo declinou a serviço do tráfico atlântico de escravos para trabalhar nas terras do Novo Mundo. No século seguinte, tentaram uma revolta antilusitana, mas foram derrotados, e o Congo passou para o domínio português.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEheev-50kOZC01v0SnL6YjRmIjXqyL-ia2SdjdJxk7nuLURByp3h7OiWpbH2kjLLfeLa99a7VumYEjoVK6lWgG4BiETCDM-oT-vFRjnjcleXNdZfG6lM9hE_oIJPJnVzbsM3TMdlAlIUg0/s320/congo+1.jpg)
domingo, 5 de março de 2017
Reino Franco, Carolíngio e Bizantino
A Idade Média é o período histórico compreendido entre os anos de 476 ( queda de Roma ) ao ano de 1453 ( a queda de Constantinopla). Este período apresenta uma divisão, a saber:
-ALTA IDADE MÉDIA ( do século V ao século IX ) - fase marcada pelo processo de formação do feudalismo.
-BAIXA IDADE MÉDIA ( do século XII ao século XIV ) -fase caracterizada pela crise do feudal.
Entre os séculos IX e XII observa-se a cristalização do Sistema Feudal.
ALTA IDADE MÉDIA
Período do século V ao século IX é caracterizado pela formação do Sistema Feudal. Neste período observa-se os seguintes processos históricos: a formação dos Reinos Bárbaros, com destaque para o Reino Franco; o Império Bizantino -parte oriental do Império Romano - e a expansão do Mundo Árabe. Grosso modo, a Alta Idade Média representa o processo de ruralização da economia e sociedade da Europa.
OS REINOS BÁRBAROS
Para os romanos, "bárbaro" era todo aquele povo que não possuía uma cultura greco-romana e que, portanto, não vivia sob o domínio de sua civilização. Os bárbaros que invadiram e conquistaram a parte ocidental do Império Romano eram os Germânicos, que viviam em um estágio de civilização bem inferior, em relação aos romanos. Eles não conheciam o Estado e estavam organizados em tribos. As principais tribos germânicas que se instalaram na parte ocidental de Roma foram:
-Os Anglo-Saxões, que se estabeleceram na Grã-Bretanha;
-Os Visigodos estabeleceram-se na Espanha;
-Os Vândalos fixaram-se na África do Norte;
-Os Ostrogodos que se instalaram na Itália;
-Os Suevos constituíram-se em Portugal;
-Os Lombardos no norte da Itália;
-Os Francos que construíram seu reino na França.
Os Germânicos não conheciam o Estado, vivendo em comunidades tribais - cuja principal unidade era a Família. A reunião de famílias constituía um Clã e o agrupamento de clãs formava a Tribo. A instituição política mais importante dos povos germânicos era a Assembléia de Guerreiros, responsável por todas as decisões importantes e chefiada por um rei ( rei que era indicado pela Assembléia e que, por isto mesmo, controlava o seu poder ). Os jovens guerreiros se uniam -em tempos de guerra -a um chefe militar por laços de fidelidade, o chamado Comitatus.
A sociedade germânica era assim composta:
-Nobreza: formada pelos líderes políticos e grandes
proprietários de terras;
-Homens-livres: pequenos proprietários e guerreiros que
participavam da Assembléia;
-Homens não-livres: os vencidos em guerras que viviam sob o regime de servidão e presos à terra e os escravos - grupo formado pelos prisioneiros de guerra.
Economicamente, os germânicos viviam da agricultura e do pastoreio. O sistema de produção estava dividido nas propriedades privadas e nas chamadas propriedades coletivas ( florestas e pastos ).
A religião era politeísta e seus deuses representavam as forças da natureza.
Entre os povos germânicos, os Francos são aqueles que irão constituir o mais importante reino bárbaro e que mais influenciarão o posterior desenvolvimento europeu.
O REINO FRANCO
A história do Reino Franco desenvolve-se sob duas dinastias:
-Dinastia dos Merovíngios ( século V ao século VIII ) e -Dinastia dos Carolíngios ( século VIII ao século IX ).
OS MEROVÍNGIOS (451 a 751)
O unificador das tribos francas foi Clóvis ( neto de Meroveu, um rei lendário que dá nome a dinastia). Em seu reinado houve uma expansão territorial e a conversão dos Francos ao cristianismo. A conversão ao cristianismo foi de extrema importância aos Francos que passam a receber apoio da Igreja Católica; e para a Igreja Católica que terá seu número de adeptos aumentado, e contará com o apoio militar dos Francos.
As divisões do Reino dos Francos de 511 a 687
Em 511, após a morte de Clóvis, o Reino dos Francos foi dividido em quatro partes, pois era um costume germânico fazer a partilha dos bens do falecido entre os seus varões, e com isso a monarquia franca ficou debilitada, pois foi iniciada uma luta entre os herdeiros.
Durante um longo tempo a Gália permaneceu dividida, com exceção do período de 629 a 639 durante o reinado de Dagoberto I.
Os prefeitos do palácio de 640 a 751
O poder dos Merovíngios entrou em decadência após a morte de Dagoberto. Os supremos que governavam este período a Nêustria e a Austrásia abandonaram as suas funções, deixando seus poderes a um importante funcionário: o prefeito do palácio também conhecido como major domus, que assumiram o poder marginalizando os reis, que passaram a ser conhecidos como reis indolentes.
Na Austrásia o cargo de prefeito do palácio tornou-se hereditário graças ao Pepino de Héristal, que venceu o major domus da Nêustria em 687, e firmou um acordo de união entre os dois reinos. Em 721, Carlos Martelo, filho de Pepino de Héristal, estabeleceu a unificação de Nêustria e a Austrásia formando a entidade geopolítica que passou a ser chamada de Franca.
Pepino, o Breve, filho de Carlos Martelo, assumiu o poder após a morte de seu pai em 740. Mais tarde, em 751, Pepino foi proclamado rei dos francos em Soissons, após internar o último Merovíngio, tendo o apoio papal. Pepino foi coroado pelo papa Estêvão II. E em agradecimento ao apoio que recebeu, Pepino cedeu à Igreja as terras que ele tomou dos lombardos durante à expedição à Itália contra esse grupo que ameaçava atacar a roma e o Papado. Esse território foi utilizado pela Itália para formar o Patrimônio de São Pedro.
OS CAROLÍNGIOS
Dinastia iniciada por Pepino, o Breve. O poder real de Pepino foi legitimado pela Igreja, iniciando-se assim uma aliança entre o Estado e a Igreja - muito comum na Idade Média, bem como o início de uma interferência da Igreja em assuntos políticos.
Após a legitimação de seu poder, Pepino vai auxiliar a Igreja na luta contra os Lombardos. As terras conquistadas dos Lombardos foram entregues à Igreja, constituindo o chamado Patrimônio de São Pedro. A prática de doações de terras à Igreja irá transformá-la na maior proprietária de terras da Idade Média.
Com a morte de Pepino, o Breve e de seu filho mais velho Carlomano, o poder fica centrado nas mãos de Carlos Magno.
O IMPÉRIO CAROLÍNGIO (800 a 843)
Carlos Magno ampliou o Reino Franco por meio de uma política expansionista. O Império Carolíngio vai compreender os atuais países da França, Holanda, Bélgica, Suiça, Alemanha, República Tcheca, Eslovênia, parte da Espanha, da Áustria e Itália.
A Igreja Católica, representada pelo Papa Leão III, vai coroá-lo imperador do Sacro Império Romano, no Natal do ano 800.
O vasto Império Carolíngio será administrado através das Capitulares, um conjunto de leis imposto a todo o Império. O mesmo será dividido em províncias: os Condados, administrados pelos condes; os Ducados, administrados pelos duques e as Marcas, sob a tutela dos marqueses. Condes, Duques e Marqueses estavam sob a vigilância dos Missi Dominici -funcionários que em nome do rei inspecionavam as províncias e controlavam seus administradores. Os Missi Dominici atuavam em dupla: um leigo e um clérigo.
No reinado de Carlos Magno a prática do benefício (beneficium) foi muito difundida, como forma de ampliar o poder real. Esta prática consistia na doação de terras a quem prestasse serviços ao rei, tendo para com ele uma relação de fidelidade. Quem recebesse o benefício não se submetia à autoridade dos missi dominici. Tal prática foi importante para a fragmentação do poder nas mãos de nobres ligados à terra em troca de prestação de serviços -a origem do FEUDO.
Na época de Carlos Magno houve um certo desenvolvimento cultural, o chamado Renascimento Carolíngio, caracterizado pela promoção das atividades culturais, através da criação de escolas e pela vinda de sábios de várias partes da Europa, tais como Paulo Diácono, Eginardo e Alcuíno - monge fundador da escola palatina.
Este "renascimento" contribuiu para a preservação e a transmissão de valores da cultura clássica ( greco-romana ). Destaque para a ação dos mosteiros, responsáveis pela tradução e cópia de manuscritos antigos.
DECADÊNCIA DO IMPÉRIO CAROLÍNGIO
Com a morte de Carlos Magno, em 814, o poder vai para seu filho Luís, o Piedoso, o qual conseguiu manter a unidade do Império. Com a sua morte, em 841, o Império foi dividido entre os seus filhos. A divisão do Império ocorreu em 843, com a assinatura do Tratado de Verdun estabelecendo que:
Carlos, o Calvo ficasse com a parte ocidental ( a França atual);
Lotário ficasse com a parte central ( da Itália ao mar do Norte) e
Luís, o Germânico ficasse com a parte oriental do Império.
Após esta divisão, outras mais ocorrerão dentro do que antes fora o Império Carolíngio. Estas divisões fortalecem os senhores locais, contribuindo para a descentralização política que, somada a uma onda de invasões sobre a Europa, à partir do século IX ( normandos, magiares e muçulmanos ) contribuem para a cristalização do feudalismo.
A expansão Islâmica ocorreu em três momentos:
1ª etapa ( de 632 a 661 )- conquistas da Pérsia, da Síria, da Palestina e do Egito;
2ª etapa ( de 661 a 750 )- a Dinastia dos Omíadas, que expandiu as fronteiras até o vale do Indo (Índia); conquistou o Norte da África até o Marrocos e a Península Ibérica na Europa. O avanço árabe sobre a Europa foi contido por Carlos Martel, em 732 na batalha de Poitiers.
3ª etapa ( de 750 a 1258 )- a Dinastia dos Abássidas, onde ocorre a fragmentação político-territorial e a divisão do Império em três califados: de Bagdá na Ásia, de Cordova na Espanha e do Cairo no Egito.
Após esta divisão, do mundo Islâmico será constante até que no ano de 1258 Bagdá será destruída pelos mongóis.
AS CONSEQÜÊNCIAS DA EXPANSÃO
A expansão árabe representou um maior contato entre as culturas do Oriente e do Ocidente. No aspecto econômico a expansão territorial provocará o bloqueio do mar Mediterrâneo, contribuindo para a cristalização do feudalismo europeu, ao acentuar o processo de ruralização e fortalecendo a economia de consumo.
A CULTURA ISLÂMICA
Literatura: poesias épicas e fábulas. Destaque para os contos de aventuras, como As Mil e uma Noites.
Ciências: muito práticos os árabes aplicaram o raciocínio lógico e o experimentalismo. Desenvolveram a Matemática ( álgebra e trigonometria ), a Química ( alquimia ), Medicina ( sendo Avicena o grande nome ) e a Filosofia ( estudo de Aristóteles ).
Artes: a grande contribuição foi no campo da Arquitetura, com construção de palácios e de Mesquitas. Na Pintura, dado a proibição religiosa de reproduzir a figura humana, houve o desenvolvimento dos chamados arabescos.
O IMPÉRIO BIZANTINO
No ano de 395, Teodósio divide o Império Romano em duas partes: o lado ocidental passa a ser designado por Império Romano do Ocidente, com capital em Roma; o lado oriental passa a ser Império Romano do Oriente com capital em Bizâncio ( uma antiga colônia grega). Quando o imperador Constantino transferiu a capital de Roma para a cidade de Bizâncio, ela passou a ser conhecida como Constantinopla.
A ERA DE JUSTINIANO (527/565)
Imperador bizantino (483-14/11/565). Flávio Pedro Sabácio Justiniano nasce em Tauresium, na atual Macedônia, em uma família pobre. É adotado pelo tio Justino, ex-guarda analfabeto que viria reinar o Império Bizantino. Vai ainda jovem para Constantinopla, base do comando militar em que servia seu tio, e recebe educação aprimorada.
Quando Justino I se torna imperador, em 518, seu sobrinho já exerce grande influência sobre ele. Justiniano estuda direito, retórica e teologia e, em 518, começa a participar da vida política como patrício e cônsul. Recebe o título de César em 525 e, em 527, é proclamado imperador. No mesmo ano, casa-se com a atriz Teodora, filha de um tratador de ursos.
Imperador Justiniano
Foi um dos mais famosos imperadores bizantinos. Seu reinado corresponde ao apogeu do Império Bizantino. Em seu reinado destacam-se:
-o cesaropapismo: significa que o chefe do Estado ( César ) torna-se o chefe supremo da religião ( Papa ). As constantes interferências do Estado nos assuntos religiosos provocam desgastes entre o Estado e a Igreja resultando, no ano de 1054, uma divisão na cristandade -o chamado GRANDE CISMA DO ORIENTE. A cristandade ficou dividida em duas igrejas: Igreja Católica do Oriente ( Ortodoxa ) e Igreja Católica do Ocidente, com sede em Roma.
-a guerra de Reconquista: tentativa de Justiniano para reconstituir o antigo Império Romano, procurando reconquistar o Norte da África, a Itália e Espanha que estavam sob o domínio dos chamados povos bárbaros;
-a Revolta Nika: para sustentar a Guerra de Reconquista, o governo adotou uma política tributária o que gerou insatisfações e lutas sociais. Justiniano usou da violência para acalmar o Império;
Justiniano foi também um grande legislador e responsável pela elaboração do Corpus Juris Civilis ( Corpo do Direito Civil ), que estava assim composto:
-o Código: revisão de todas as leis romanas;
-o Digesto: sumário escrito por juristas; -as Institutas: manual para estudantes de Direito;
-as Novelas: conjunto de leis criadas por Justiniano.
Justiniano, a lei e a Igreja
O Império Bizantino atingiu o máximo esplendor no governo de Justiniano (527-565), macedônio filho de camponeses, sobrinho do general Justino, que se havia tornado imperador através de um golpe militar. Justiniano casou com uma atriz, Teodora, que exerceu decisiva influência sobre a administração, orientando muitas decisões do marido.
Justiniano, o legislador, mandou elaborar o Digesto, manual de Direito, coletânea de leis redigidas por grandes juristas; as Institutas, que reuniam os princípios fundamentais do Direito Romano; e o Código Justiniano. As três obras foram reunidas no Corpo do Direito Civil. Justiniano, o teólogo, procurou unir o mundo oriental e o ocidental pela religião. Em sua época, uma heresia voltou, sob a forma do monofisismo. Era a doutrina de Nestório.
Seus adeptos afirmavam que Cristo tinha apenas natureza divina; ao contrário da tese do papa Leão I, aprovada em 451 no Concílio Ecumênico de Calcedônia, estabelecendo que Cristo tinha duas naturezas em uma só pessoa: a humana e a divina.
O monofisismo comportava aspectos políticos e manifestava-se como reação nacionalista contra o Império Bizantino. Por isso era mais forte na Síria e no Egito, regiões dominadas por Constantinopla.
Os hereges tinham um forte aliado: a imperatriz Teodora.
Justiniano queria uma Igreja unificada, para usá-la como apoio de seu governo. Isto explica seu cesaropapismo, isto é, a intervenção na Igreja. Para não desagradar ao papa, tentou conciliar a heresia com a ortodoxia. Mas acabou pondo sua influência o próprio papa e a Igreja do Ocidente, que passou a assumir traços da Igreja do Oriente.
Política externa e mais problemas no governo de Justiniano
Justiniano procurou reconstruir todo o Império. Estabeleceu "paz perpétua" com os persas e conteve o avanço búlgaro. Então, iniciou as guerras de conquista no Ocidente.
Belisário reconquistou a África, trabalho facilitado pelas disputas entre arianismo e cristianismo que atingiam os vândulos. Houve problemas maiores na Itália. Os ostrogodos a dominavam haviam tempos, até com apoio de imperadores romanos do Oriente. Justiniano de novo se impôs à custa da divisão, agora entre os sucessores de Teodorico, fundador do Reino Ostrogótico da Itália. Em 524, os bizantinos conquistaram a Espanha meridional aos visigodos.
A reconstrução durou pouco. Os lombardos, povos germânicos que Justiniano tinha estabelecido Polônia, ocuparam o norte da Itália. África e Espanha cairiam nas mãos dos árabes, que anexariam também Egito, Palestino, Síria e Mesopotâmia.
Outros problemas sobrevieram. A falta de dinheiro atrasava o salário dos soldados. Pestes e ataques bárbaros faziam aumentar o poder dos proprietários, pois o governo era incapaz de garantir a segurança. Constantinopla, cansada de impostos e autoritarismo, recebeu a morte de Justiniano com júbilo.
Mas as dificuldades cresceram nos séculos seguintes. Árabes e búlgaros intensificaram as tentativas de entrar no Império, que se viu às voltas com uma disputa religiosa, o Movimento Iconoclasta, isto é, destruidor de imagens (ícones). O imperador queria obrigar o povo a adorar só a Deus, de imagem irrepresentável.
O Império Bizantino orientalizou-se, até abandonou o latim em favor do grego. No século XI, declinou mas se recuperou; sobreviveria até o fim da Idade Média.
A CULTURA BIZANTINA
O povo bizantino era muito religioso e exerciam os debates teológicos. Muitas questões teológicas foram discutidas, destacando-se:
-o monofisismo: tese que negava a dupla natureza de Cristo
humana e divina. Segundo o monofisismo, Cristo tinha uma única natureza: a divina.
-A iconoclastia: movimento que pregava a destruição de imagens sagradas ( ícones ).
Nas artes, os bizantinos destacaram-se na Arquitetura: construção de fortalezas, palácios, mosteiros e igrejas. A mais exuberante das igrejas foi a Igreja de Santa Sofia, construída no reinado de Justiniano. A característica da arquitetura bizantina era o uso da cúpula.
Os bizantinos também se destacaram na arte do mosaico, utilizados na representação de figuras religiosas, de políticos importantes e na estilização de plantas e animais.
quinta-feira, 2 de março de 2017
MODOS DE PRODUÇÃO
Quando vamos a um supermercado e compramos gêneros alimentícios, bebidas, calçados, material de limpeza, etc., estamos adquirindo bens. Da mesma forma, quando pagamos a passagem do ônibus ou uma consulta medica, estamos pagando um serviço.
Ao viverem em sociedade, as pessoas participam diretamente da produção, da distribuição e do consumo de bens e serviços, ou seja, participam da vida econômica da sociedade. Assim, o conjunto de indivíduos que participam da vida econômica de uma nação é o conjunto de indivíduos que participam da produção, distribuição e consumo de bens e serviços.
Exemplo: operários quando trabalham estão ajudando a produzir, quando, com o salário que recebem, compram algo, estão participando da distribuição, pois estão comprando bens e consumo. E quando consomem os bens e os serviços que adquiriram, estão participando da atividade econômica de consumo de bens e serviços.
O modo de produção é a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços, como os utiliza e os distribui. O modo de produção de uma sociedade é formado por suas forças produtivas e pelas relações de produção existentes nessa sociedade.
Modo de produção = forças produtivas + relações de produção
Portanto, o conceito de modo de produção resume claramente o fato de as relações de produção serem o centro organizador de todos os aspectos da sociedade.
Modo de produção primitivo:
Modo de produção primitivo O modo de produção primitivo designa uma formação econômica e social que abrange um período muito longo, desde o aparecimento da sociedade humana. A comunidade primitiva existiu durante centenas de milhares de anos, enquanto o período compreendido pelo escravismo, pelo feudalismo e pelo capitalismo mal ultrapassa cinco milênios.
Na comunidade primitiva os homens trabalhavam em conjunto. Os meios de produção e os frutos do trabalho eram propriedade coletiva, ou seja, de todos. Não existia ainda a ideia da propriedade privada dos meios de produção, nem havia a oposição proprietários x não proprietários.
As relações de produção eram relações de amizade e ajuda entre todos; elas eram baseadas na propriedade coletiva dos meios de produção, a terra em primeiro lugar.
Também não existia o estado. Este só passou a existir quando alguns homens começaram a dominar outros. O estado surgiu como instrumento de organização social e de dominação.
Modo de produção escravista:
Modo de produção escravista Na sociedade escravista os meios de produção (terras e instrumentos de produção) e os escravos eram propriedade do senhor. O escravo era considerado um instrumento, um objeto, assim como um animal ou uma ferramenta.
Assim, no modo de produção escravista, as relações de produção eram relações de domínio e de sujeição: senhores x escravos. Um pequeno número de senhores explorava a massa de escravos, que não tinham nenhum direito.
Os senhores eram proprietários da força de trabalho (os escravos), dos meios de produção (terras, gado, minas, instrumentos de produção) e do produto de trabalho.
Modo de produção asiático:
O modo de produção asiático predominou no Egito, na China, na Índia e também na África do século passado.
Tomando como exemplo o Egito, no tempo dos faraós, vamos notar que a parte produtiva da sociedade era composta pelos escravos, que era forçados, e pelos camponeses, que também eram forçados a entregar ao Estado o que produziam. A parcela maior prejudicando cada vez mais o meio de produção asiático.
Fatores que determinaram o fim do modo de produção asiático:
A propriedade de terra pelos nobres;
O alto custo de manutenção dos setores improdutivos;
A rebelião dos escravos.
Modo de produção feudal:
Modo de produção feudal:A sociedade feudal era constituída pelos senhores x servos. Os servos não eram escravos de seus senhores, pois não eram propriedade deles. Eles apenas os serviam em troca de casa e comida. Trabalhavam um pouco para o seu senhor e outro pouco para eles mesmos.
Num determinado momento, as relações feudais começaram a dificultar o desenvolvimento das forças produtivas. Como a exploração sobre os servos no campo aumentava, o rendimento da agricultura era cada vez mais baixo. Na cidade, o crescimento da produtividade dos artesãos era freado pelos regulamentos existentes e o próprio crescimento das cidades era impedido pela ordem feudal.Já começava a aparecer às relações capitalistas de produção.
Modo de produção capitalista:
O que caracteriza o modo de produção capitalista são as relações assalariadas de produção (trabalho assalariado). As relações de produção capitalistas baseiam-se na propriedade privada dos meios de produção pela burguesia, que substituiu a propriedade feudal, e no trabalho assalariado, que substituiu o trabalho servil do feudalismo. O capitalismo é movido por lucros, portanto temos duas classes sociais: a burguesia e os trabalhadores assalariados.
O capitalismo compreende quatro etapas:
Pré-capitalismo: o modo de produção feudal ainda predomina, mas já se desenvolvem relações capitalistas.
Modo de produção capitalista
Capitalismo comercial: a maior parte dos lucros concentra-se nas mãos dos comerciantes, que constituem a camada hegemônica da sociedade; o trabalho assalariado torna-se mais comum.
Capitalismo industrial: com a revolução industrial, o capital passa a ser investido basicamente nas industrias, que se tornam à atividade econômica mais importante; o trabalho assalariado firma-se definitivamente.
Capitalismo financeiro: os bancos e outras instituições financeiras passam a controlar as demais atividades econômicas, através de financiamentos à agricultura, a industria, à pecuária, e ao comercio.
Veja mais em: Fases do Capitalismo.
Modo de produção socialista:
A base econômica do socialismo é a propriedade social dos meios de produção, isto é, os meios de produção são públicos ou coletivos, não existindo empresas privadas. A finalidade da sociedade socialista é a satisfação completa das necessidades materiais e culturais da população: emprego, habitação, educação, saúde. Nela não há separação entre proprietário do capital (patrão) e proprietários da força do trabalho (empregados). Isto não quer dizer que não haja diferenças sociais entre as pessoas, bem como salários desiguais em função de o trabalho ser manual ou intelectual.
Conclusão
Para produzir os bens de consumo e de serviço de que necessitamos, os homens estabelecem relações uns entre os outros. As relações que se estabelecem entre os homens na produção, na troca e na distribuição dos bens são as relações de produção.
Nos últimos anos temos visto uma revolução tecnológica crescente e que tem trazido novos direcionamentos econômicos, culturais, sociais e educacionais à sociedade. A acelerada transformação nos meios e nos modos de produção, causada pela revolução tecnológica focaliza uma nova era da humanidade onde as relações econômicas entre as pessoas e entre os países e a natureza do trabalho sofrem enormes transformações.
Assinar:
Postagens (Atom)