sábado, 9 de maio de 2020

Stalinismo

O stalinismo é definido pelos historiadores como um regime totalitário que existiu na União Soviética, entre 1927 e 1953, e foi construído pelo líder do país Josef Stalin. Esse governo realizou transformações profundas, na URSS, e realizou uma implacável perseguição aos seus opositores. A coletivização das terras soviéticas, a industrialização do país, a perseguição aos opositores por meio dos expurgos e a resistência ferrenha contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial foram acontecimentos marcantes durante esse período. Os crimes cometidos durante o stalinismo só foram denunciados após a morte de Stalin. Características do stalinismo O consenso dos historiadores é que o stalinismo foi um regime totalitário. Algumas das características básicas desse governo são: Economia controlada inteiramente pelo Estado; Governo discricionário, baseado unicamente nas vontades do líder; Culto à personalidade de Stalin; Criação de um grande aparato de propaganda política; Criação de um regime de terror que impôs perseguição aos opositores do regime; Perseguição à religião; Militarização da sociedade; Burocratização do serviço público; Imposição de censura etc. Disputa pelo poder Os historiadores consideram que Stalin tornou-se governante efetivo da União Soviética a partir de 1927. A disputa pelo poder foi iniciada quando a saúde de Lenin começou a se deteriorar, entre 1922 e 1923, por conta de um derrame. Naquele momento, quatro postulantes disputavam a posição de novo secretário-geral da União Soviética: Stalin, Kamenev, Zinoviev e Trotsky. Nesse momento, Stalin já tinha uma posição privilegiada no interior do partido, mas não era o favorito de Lenin. O historiador William P. Husband afirma que, antes de morrer, Lenin preocupava-se com a possibilidade de Stalin ser o seu sucessor por ser muito rude|1|. Após quatro anos de disputa pelo poder, Stalin firmou-se no poder ao garantir a expulsão de seus adversários do partido. Uma vez estabelecido enquanto figura incontestável no poder, Stalin começou a realizar as mudanças que desejava fazer. Seus focos foram acabar com as classes sociais, voltando-se contra os ricos, industrializar a União Soviética, planificar a economia e silenciar seus opositores. Iniciava-se então o stalinismo. Economia stalinista A economia stalinista era uma economia inteiramente planificada, ou seja, estava concentrada nas mãos do Estado. Stalin interveio diretamente na agricultura, realizando transformações profundas nessa área e investiu maciçamente na industrializando exigindo um grande esforço da população nos dois casos. Plano Quinquenal Quando Stalin assumiu o poder, em 1927, a indústria soviética ainda era frágil e, por isso, Stalin impôs um plano que cobrava um grande esforço de todo o país para promover uma industrialização em escala acelerada. O plano de industrialização da União Soviética ficou conhecido como Plano Quinquenal, um plano que criava metas que o país deveria alcançar a cada cinco anos. O primeiro plano quinquenal foi lançado em 1929 e substituiu a Nova Política Econômica, o antigo plano econômico soviético. Stalin aboliu as iniciativas de abertura da economia soviética para o capital privado, voltou-se contra as classes sociais mais ricas, aumentou impostos de empresas privadas e passou a exigir um grande esforço dos trabalhadores para promover a industrialização. O Plano Quinquenal priorizou o desenvolvimento de áreas relacionadas à indústria pesada, como a metalurgia e siderurgia, além de dar grande atenção para a extração de combustíveis fósseis e para a produção de energia elétrica. O Estado soviético passou a cobrar que metas extremamente exigentes fossem alcançadas e isso exigiu um esforço enorme dos trabalhadores. O historiador Eric Hobsbawm define que as exigências feitas pelo governo stalinista exigiam “sangue, esforço, lágrimas e suor” da população soviética|2|. O grande esforço pela industrialização, por sua vez, gerou milhões de novos empregos e aumentou a quantidade de proletários na União Soviética, o grupo que mais apoiava o regime. Apesar das duras exigências, os resultados, porém, foram expressivos, e a produção industrial da União Soviética aumentou consideravelmente. O sucesso dos planos quinquenais foi tão grande que, em poucos anos, a União Soviética tinha se transformado em uma grande potência industrial. O poderio industrial e o grau de exigência dos trabalhadores soviéticos durante o stalinismo foram percebidos, principalmente, nos anos da guerra. Coletivização da terra A coletivização da terra foi outro grande esforço realizado pelo Estado stalinista no âmbito da agricultura. Revolucionou-se a forma como a produção agrícola acontecia e atacou-se as classes de camponeses ricos que existiam no interior soviético. A coletivização da terra foi feita à força, e a resistência a esse processo foi tratada com brutalidade. A coletivização da terra foi imposta junto do primeiro Plano Quinquenal, em 1929, e pode ser definida, basicamente, como processo de expropriação de terra, abolindo a propriedade privada no campo e transformando tudo em propriedade do Estado. A função dos camponeses era a de aderir às terras tomadas pelo Estado e alcançar as metas de produção estabelecida. As terras tomadas eram transformadas em fazendas coletivas e tudo que existia nelas, como as ferramentas, as sementes e o gado, pertenciam ao Estado. A tomada de terras gerou resistência, sobretudo dos camponeses ricos, conhecidos como kulaks. Essa oposição ao processo de coletivização foi tão grande que só na Ucrânia foram registrados quase 1 milhão de atos contrários, só no ano de 1930 |3|. A ação de Stalin contra os kulaks era simples: o desejo era acabar com essa classe. Quanto mais eles resistiam, mais dura tornava-se a ação estatal, e as medidas tomadas pelo Estado contra essa classe foram de colocá-los para trabalhar em terras inferiores, transferi-los para locais longe de suas casas ou enviá-los para campos de trabalho forçado, caso resistissem. O historiador Timothy Snyder afirma que, no total, cerca de 1,7 milhão de kulaks foram deportados para campos de concentração|4|, e Lewis Siegelbaum afirma que cerca de 3 milhões de pessoas passaram por um processo de deskulakização|5|. Algo importante a ser abordado é que, do ponto de vista do governo stalinista, qualquer camponês que resistia à coletivização era considerado um kulak. A coletivização foi, no entanto, desastrosa. As metas estipuladas eram tão altas que, frequentemente, os camponeses tinham suas sementes tomadas pelo Estado. Além disso, as fazendas coletivas mostraram-se, em grande parte, não tão produtivas quanto se esperava. O resultado óbvio disso foi a fome. Os historiadores discutem se a fome causada pela coletivização foi proposital ou não, e o historiador Timothy Snyder sugere que, pelo menos no caso ucraniano, a fome foi proposital. O objetivo disso era enfraquecer a população para acabar com qualquer tipo de oposição às políticas stalinistas. O resultado da Grande Fome que atingiu a União Soviética foi terrível, e Timothy Snyder aponta que, até 1933, cerca de 5,5 milhões de pessoas haviam morrido de fome e aproximadamente metade dessas mortes aconteceu só na Ucrânia|6|. Essa fome que levou à morte de milhões de ucranianos ficou conhecida como Holodomor. Grande Terror O Grande Terror é a fase do stalinismo que se estendeu de 1936 a 1939 e também é conhecida como Grande Expurgo. Mas é importante frisar que os expurgos stalinistas não aconteceram exclusivamente nesse período, eles aconteceram durante todos os anos do stalinismo, mas foram maiores nesse período citado. Os expurgos realizados no stalinismo eram ações dignas do “autocrata de ferocidade, crueldade e falta de escrúpulos excepcionais” que era Stalin na definição de Eric Hobsbawm|7|. Os expurgos promovidos durante o stalinismo tinham como grande objetivo eliminar elementos não-marxistas, eliminar minorias étnicas que resistiam ao poder de Moscou e eliminar a oposição no interior do partido. Aconteceram expurgos contra a intelligentsia, as elites intelectuais que ocupavam postos de comando, mas que não eram da classe proletária. Houve também expurgos em locais, como a Ucrânia contra a minoria polonesa, houve expurgos no campo, no interior do partido, no exército soviético etc. Esses expurgos poderiam resultar no envio de pessoas para as gulags, campos de trabalho forçado que eram construídos em locais remotos da Sibéria e do Cazaquistão. Outros, porém, eram rapidamente executados pela NKVD, a polícia secreta soviética. O saldo de execuções durante todos os anos de stalinismo ultrapassaram a casa dos milhões, mas, durante o Grande Terror, esse número foi de 681.692, segundo Timothy Snyder|8|, e 685.660, segundo Lewis Siegelbaum|9|. Os historiadores discutem as motivações de Stalin ao ter promovido essa quantidade gigantesca de expurgos, e dois eixos apontam dois motivos: destruir qualquer tipo de oposição ao seu regime, fosse ela motivada por questões econômica, políticas, étnicas, ideológicas etc., fosse para acabar com a burocratização no interior do Estado soviético. Eric Hobsbawm sugere que, durante os anos de stalinismo, o governo tenha sido responsável pela morte direta de 10 a 20 milhões de pessoas e apresenta um dado que aponta que a população soviética em 1937 era 16,7 milhões menor do que o previsto pelo governo, o que sugere que até esse ano, o número de mortes causadas pelo governo pode ter sido aproximadamente essa. Segunda Guerra Mundial A Segunda Guerra Mundial foi um capítulo especial da história do stalinismo. Poucas vezes na história, o mundo presenciou uma mobilização tão grande na defesa de uma terra contra um inimigo em comum. Os soviéticos chamam a Segunda Guerra Mundial de Grande Guerra Patriótica e, no conflito contra os alemães, os soviéticos mostraram seu poder de resistência e Stalin mostrou por que se autodenominou de “feito de ferro”. Ele teve nervos para aguentar toda a pressão da guerra, mas também exigiu um enorme sacrifício dos soviéticos. A guerra entre alemães e soviéticos era algo iminente, apesar da existência de um acordo de não agressão entre os dois países. Stalin imaginava que o ataque viria em meados de 1942 e, por conta disso, ignorou diversos avisos acerca dos planos alemães para invadir o território soviético já em 1941. O historiador Antony Beevor alega que Stalin ignorou, provavelmente, mais de 100 advertências de que o ataque alemão era iminente já em 1941|10|. Os alemães, por sua vez, animados pelas conquistas realizadas entre 1939 e 1941, realizaram um grande esforço para lançar o ataque contra os soviéticos em junho de 1941. A ideia era conquistar a URSS em até 12 semanas. O ataque foi organizado na Operação Barbarossa e mobilizou mais de 3 milhões de soldados, além de blindados, peças de artilharia e aviação de guerra. Os soviéticos foram pegos despreparados e, por isso, os alemães avançaram continuamente pelo território soviético no verão de 1941. Em meados de dezembro, o ataque alemão tinha perdido força e a resistência soviética começou a equiparar-se com a força dos ataques alemães. Instigados por Stalin, os soviéticos transferiram milhares de indústrias do oeste soviético para a região dos Urais e milhões de soviéticos foram convocados das regiões mais inóspitas possíveis. Com a capacidade industrial em crescimento, graças à mobilização de mulheres para trabalhar nas fábricas, e um volume gigantesco de soldados utilizados, os soviéticos – a um custo altíssimo – expulsaram os alemães de seus territórios. No auge, os soviéticos mantiveram mais de 11 milhões de soldados no front, e o custo da guerra cobrou dos soviéticos cerca de 25 milhões de vidas entre soldados e civis. Em abril de 1945, no entanto, os soviéticos entravam em Berlim para derrubar o nazismo e, depois de semanas de batalha, conquistaram a capital alemã e colocavam fim ao nazismo. O esforço dos soviéticos venceu a guerra e somente aquela sociedade brutalizada após anos de stalinismo e décadas de privações seria capaz de suportar as exigências de Stalin e da guerra. Morte de Stalin Stalin faleceu em 5 de março de 1953, vítima de um derrame cerebral. O stalinismo foi um regime construído de acordo com as vontades e os objetivos de Stalin. Quando o ditador soviético morreu, algumas das características desse regime permaneceram em vigor na União Soviética, outras, no entanto, foram abandonadas quando os crimes de Stalin foram denunciados e o culto à personalidade dele teve fim. Os últimos anos de vida de Stalin foram marcados por grande culto à personalidade, uma vez que a vitória na guerra trouxe grande popularidade ao líder. Mesmo nos últimos anos do stalinismo, os expurgos continuaram e, após a Segunda Guerra, um dos grupos que começou a sofrer com a perseguição foram os judeus. Stalin faleceu, no dia 5 de março, em decorrência de um derrame cerebral. A morte do líder comoveu a URSS, e seu funeral contou com a presença de milhares de pessoas. O líder que assumiu a URSS depois da morte de Stalin foi Nikita Kruschev, o responsável por denunciar os crimes cometidos pelo stalinismo.
Jornal soviético informando do início da guerra entre Alemanha e URSS.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A ideia de felicidade na filosofia dos astecas ainda é atual, afirmam pesquisadores.

Havia filósofos e sofistas, e uma educação formal para ensinar valores e ideias profundas sobre a vida – tudo por meio de tratados, exortações e diálogos. Mas não estamos falando da Grécia antiga, e sim do império asteca. Entre o século 15 e o início do século 16, os astecas montaram um império com uma cultura de grande riqueza filosófica onde hoje ficam as regiões central e sul do México. “Havia bastante registro na língua nativa, o náhuatl”, escreveu Lynn Sebastian Purcell, professor de filosofia na Universidade Estadual de Nova York (SUNY), em artigo publicado em 2017 na revista de divulgação científica Aeon. “Como poucos livros pré-coloniais do tipo hieroglífico sobreviveram à destruição dos espanhóis, as nossas principais fontes de conhecimento derivam de registros mantidos por padres católicos até o início do século 17”, acrescentou. Purcell pesquisou extensivamente sobre filosofia e ética antigas, particularmente na América Latina e mais especificamente entre os astecas. “Acho fascinante que os nahuas (astecas) tenham sido uma outra cultura pré-moderna com ética das virtudes, embora pensassem muito diferente de Aristóteles e Confúcio”, disse ele à Associação Filosófica Americana em uma entrevista de 2017. Mas Purcell também reconheceu que era atraente mergulhar em um campo no qual, ao longo dos séculos, a academia deixou um “vazio evidente”. Ele acrescentou que os dois grandes estudiosos da filosofia asteca, o antropólogo mexicano Miguel León-Portilla e o filósofo americano James Maffie, fizeram um grande trabalho ao analisar sua metafísica, mas não sua ética. A boa vida O famoso Códice Florentino, coletânea de conhecimentos sobre os astecas feita pelo missionário franciscano espanhol Bernardino de Sahagún, reproduz o discurso de um rei antes de tomar posse. Na obra, Sahagún trata de como vive um homem “venerado”: é “defensor e sustentador”, ele diz, “como o cipreste, no qual as pessoas se refugiam”. Mas esse mesmo homem também “chora e sofre”. O rei então pergunta a si mesmo: “Existe alguém que não deseje a felicidade?” O texto, segundo Purcell, mostra uma das maiores diferenças entre a filosofia da Grécia antiga e a do império asteca. “Os astecas não acreditavam que houvesse qualquer vínculo conceitual entre levar a melhor vida que pudermos, por um lado, e experimentar prazer ou ‘felicidade’ do outro”, escreveu ele. Ou seja, para eles ter uma vida boa e ser feliz não estavam ligados, algo que pode ser estranho, dada a tradição filosófica do Ocidente. Terra escorregadia Em artigo premiado pela Associação Filosófica Americana em 2016 como o melhor sobre América Latina, Purcell explicou que essa dissociação está enraizada em um problema existencial descrito por filósofos ou tlamatinimes (sábios). Há um provérbio asteca que resume este problema e que poderia ser traduzido como “escorregadia, a terra é indescritível”. “O que eles queriam dizer é que, mesmo de tivermos as melhores intenções, nossa vida na terra é aquela em que as pessoas estão propensas a erros, sujeitas a falhas em seus objetivos e, provavelmente, a ‘cair’ como se estivessem na lama”, explicou Purcell. “Além disso, esta terra é um lugar onde as alegrias só vêm misturadas com dores e transtornos.” Os astecas acreditavam que, por mais talentoso ou inteligente que alguém pudesse ser, coisas ruins poderiam acontecer com todo mundo, assim como todos estão sujeitos a cometer erros, escorregar e cair. Logo, em vez de buscar deliberadamente uma felicidade que, no melhor dos casos, seria transitória e perigosa, a meta para os astecas era levar uma vida digna de ser vivida. Quatro níveis Para definir o que é uma vida que vale a pena, os astecas usavam a palavra neltiliztli, que pode ser traduzida como “arraigada” ou “enraizada”. Essa vida enraizada poderia ser alcançada em quatro níveis, segundo escreveu Purcell em um artigo também publicado pela revista Aeon, este em 2016. O primeiro nível “começa com o próprio corpo, algo que muitas vezes é negligenciado na tradição europeia, preocupada com a razão e a mente”, disse o filósofo. Para isso, os astecas tinham um regime diário de exercícios surpreendentemente semelhante ao yoga. O segundo nível envolve estar enraizado em sua própria psique, um conceito que abrange igualmente não apenas a mente mas também os sentimentos. Em terceiro lugar, a comunidade, algo de importância crucial para os astecas. Diferentemente de Platão e Aristóteles, que propunham uma ética das virtudes centrada no indivíduo, essa civilização indígena posicionava o eixo na sociedade. Uma vida que valesse a pena não seria possível sem laços familiares ou com amigos e vizinhos, aqueles que o ajudarão a se levantar depois das inevitáveis quedas na terra escorregadia. Por último, havia o enraizamento do teotl, uma divindade que nada mais era do que a natureza. A decisão de Ulisses Às vezes, as ideias filosóficas dos astecas são recebidas com algum ceticismo. Assim, em suas aulas na SUNY, Purcell tem utilizado “A Odisseia”, de Homero, para explicar por que esta civilização indígena estava certa em afirmar que a felicidade é uma meta ruim de vida. Em uma passagem do poema épico grego, o protagonista, Ulysses, vive em uma ilha paradisíaca há sete anos com a deusa Calypso. A deusa, então, coloca-o em um dilema: ele pode ficar com ela e desfrutar da imortalidade e da eterna juventude na ilha, ou voltar ao mundo real, cheio de dor e sacrifício, mas também onde mora sua família. Ulisses “decide se aventurar em águas abertas dentro de um navio em ruínas em busca de sua esposa e filho”, lembra Purcell. Ele então pergunta a seus alunos o que teriam escolhido. “Eu nunca vi alguém que discordasse de Ulysses.” Fonte: BBC News Brasil

sábado, 18 de maio de 2019

Saquaremas e Luzias

Nada se assemelha mais a um “saquarema” do que um “luzia” no poder. A frase do político pernambucano Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque demonstra como a política partidária da elite do Brasil ocorreu no Segundo Reinado. Saquarema e luzia eram as alcunhas dadas aos membros dos partidos Conservador e Liberal, respectivamente. Os Conservadores eram conhecidos por saquaremas pelo fato de vários de seus membros residirem no município fluminense de Saquarema, que passou a ser também local de reuniões do partido. O apelido de luzias dos liberais estava relacionado aos fatos ocorridos na vila mineira de Santa Luzia, durante a Revolta Liberal de 1842. Os liberais protestavam de armas em mãos na cidade contra o fechamento da Câmara liberal por D. Pedro II. A eleição para essa Câmara ficou conhecida como “eleição do cacete” em virtude do recurso a atos de violência ocorridos durante o pleito. A fala de Holanda Cavalcanti mostra que os dois partidos eram essencialmente iguais, pois concordavam com a manutenção da monarquia e da escravidão do Brasil. A origem dos dois partidos é comum, já que surgiram a partir do antigo “Partido Liberal” que existiu até a Regência de Diogo Feijó, quando houve a cisão entre os regressistas e os progressistas. Mas havia diferenças que eram apresentadas quando um ou outro se encontrava no poder. Os Conservadores, oriundos dos regressistas, tinham em suas fileiras principalmente os burocratas do Estado, os grandes comerciantes e os fazendeiros ligados às lavouras de exportação. Posicionavam-se a favor de uma maior centralização política em torno do Poder Executivo, diminuindo ainda a autonomia das províncias. Surgidos a partir dos progressistas, os luzias eram formados por profissionais liberais urbanos e agricultores ligados ao mercado interno. Defendiam uma descentralização política, pretendendo maior autonomia para as províncias em um modelo federativo, colocando-se ainda contra o Poder Moderador do imperador e ao Senado Vitalício. Os dois partidos alternaram-se no poder legislativo durante todo o Segundo Reinado. O exercício do poder ocorria através da ocupação do Conselho de Estado, órgão do poder político-administrativo do Império, diretamente controlado por D. Pedro II. Na monarquia parlamentarista brasileira, não era o rei que ficava subordinado ao parlamento, mas o contrário, o parlamento era submetido ao monarca. A dualidade partidária brasileira iria acabar apenas na década de 1870, quando a crise do modelo escravista no Brasil levaria parte dos latifundiários, com o apoio de camadas sociais urbanas, a defenderem a abolição e a formar o Partido Republicano.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

CURIOSIDADES Nos banheiros públicos da Roma antiga as pessoas defecavam todas juntas conversando, discutindo política e combinando jantares.

Na Roma antiga, as pessoas eram bastante preocupadas com a higiene pessoal e por isso os governantes construíram diversos balneários públicos onde as pessoas tomavam seus longos banhos todas juntas. Mas na hora de defecar, as pessoas o faziam em vasilhas e jogavam em qualquer lugar, ou então faziam suas necessidades no mato. Mas logo, o governo romano passou a se preocupar com a limpeza da cidade começou a criar banheiros públicos não para tomar banho, mas para poder urinar e defecar. Isso aconteceu no período republicano (509-27 a.C) na qual os banheiros públicos eram chamados de latrinae. A latrina pública era um local onde se encontrava uma bancada de pedra com vários buracos, onde as pessoas usavam para urinar ou defecar. Nas construções mais modernas da época foi instalada um sistema na qual corria água que levava os dejetos. Havia a separação de banheiros para homens e mulheres. Apesar disso, não existia privacidade (como pode ser visto nas imagens). Os homens e as mulheres faziam suas necessidades na frente de outras pessoas e até aproveitavam para ficar conversando, geralmente discutindo sobre acontecimentos políticos, planejando encontros, jantares ou faziam bordados. Nestes banheiros havia escravos ou escravas para cuidar da limpeza (embora fossem locais fedorentos e sujos), como também o escravo fornecia aos usuários uma esponja (era uma esponja marinha) em um cabo, a qual era usada para se limpar após ter defecado. O problema é que essa esponja não era descartável; após o seu uso, o escravo a limpava em uma bacia ou pia, e entregava para o próximo usuário. Quando a esponja estivesse desgastada, só então era descartada.
DOENÇAS As latrinas consistiam de buracos úmidos, escuros de onde frequentemente surgiam ratos e insetos que mordiam as nádegas e pernas nas pessoas. Além disso, o acúmulo de metano chegou a causar algumas chamas. Por causa da limpeza da limpeza com esponjas compartilhadas, muitas pessoas se contaminavam com bactérias, possivelmente promovendo doenças como febre tifoide e cólera. E, é claro, ser mordido ou picado por algum morador do esgoto. Por Karlla Patrícia - Bióloga CRBio/RJ 96514/02-D, com Mestrado e Doutorado pela UFRJ, Administradora do Diário de Biologia

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Capitanias Hereditárias

As Capitanias Hereditárias foram um sistema administrativo implementado pela Coroa Portuguesa no Brasil em 1534. O território do Brasil, pertencente a Portugal, foi dividido em faixas de terras e concedidas aos nobres de confiança do rei D. João III (1502-1557). Essas poderiam ser passadas de pai pra filho e por isso, foram chamadas de hereditárias. Os principais objetivos eram povoar a colônia e dividir a administração colonial. As Capitanias Hereditárias, porém, tiveram vida curta e foram abolidas dezesseis anos após sua criação. Resumo Após a descoberta das terras a leste do Tratado de Tordesilhas, em 1500, por Pedro Álvares Cabral, o foco da Coroa portuguesa na sua colônia da América Portuguesa era a extração dos recursos da terra, como o pau-brasil. Isso se devia ao fato de não terem sido encontrados metais preciosos como foi o caso dos espanhóis nas suas possessões. O sistema de capitanias hereditárias foi implantado a partir da expedição de Martim Afonso de Sousa, em 1530. Os portugueses tiveram receio de perderem suas terras conquistadas para outros europeus que já estavam negociando com os indígenas e buscavam se fixar ali. Para tanto, a Coroa Portuguesa imediatamente adotou medidas para povoar a colônia, evitando, dessa maneira, possíveis ataques e invasões. O sistema de capitanias havia sido implementado pelos portugueses na Ilha da Madeira, nos Arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde. Assim, ficou estabelecido a criação de 15 capitanias e seus 12 donatários, uma vez que uns receberam mais que uma porção de terra e as Capitanias do Maranhão e São Vicente foram divididas em duas porções.
Segue abaixo o nome de cada e de seus respectivos donatários: Capitania do Maranhão: João de Barros e Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrade Capitania do Ceará: Antônio Cardoso de Barros Capitania do Rio Grande: João de Barros e Aires da Cunha Capitania de Itamaracá: Pero Lopes de Sousa Capitania de Pernambuco: Duarte Coelho Pereira Capitania da Baía de Todos os Santos: Francisco Pereira Coutinho Capitania de Ilhéus: Jorge de Figueiredo Correia Capitania de Porto Seguro: Pero do Campo Tourinho Capitania do Espírito Santo: Vasco Fernandes Coutinho Capitania de São Tomé: Pero de Góis da Silveira Capitania de São Vicente: Martim Afonso de Sousa Capitania de Santo Amaro: Pero Lopes de Sousa Capitania de Santana: Pero Lopes de Sousa Direitos e Obrigações do Donatário O rei Dom João III concedeu as terras para nobres de sua confiança. Cada Capitão Donatário era considerado a autoridade máxima, ficando responsável por povoar, administrar, proteger o território, fundar vilas e desenvolver a economia local. Por sua parte, a Coroa Portuguesa não dava nenhuma ajuda financeira aos donatários para esse empreendimento. Os donatários, por outro lado, possuíam alguns privilégios jurídicos e fiscais como:escravizar indígenas;cobrar tributos e doar lotes de terra não cultivados (sesmarias);explorar a região e usufruir de todos seus recursos naturais (donde uma porcentagem pertencia à coroa), desde animais, madeira e minérios. A despeito de possuírem grande poder, as capitanias não pertenciam aos donatários e sim à Coroa Portuguesa que cobrava um imposto denominado “dízimo”, ou seja, 10% da produção da capitania. No entanto, o sistema de capitanias sofreu com a falta de recursos, algumas foram abandonadas e em outras jamais seus donatários estiveram ali. Igualmente sofreram ataques indígenas, os quais lutavam contra a invasão de suas terras.Desta maneira, o empreendimento das capitanias hereditárias fracassou. Somente duas foram bem-sucedidas: Capitania de Pernambuco, comandada por Duarte Coelho, responsável por introduzir o cultivo da cana de açúcar; Capitania de São Vicente, comandada por Martim Afonso de Sousa, graças ao tráfico de indígenas que realizavam naquelas terras. Após a inviabilidade das Capitanias Hereditárias, a colônia passou por uma reforma administrativa e foi instituído o Governo Geral. Curiosidades As capitanias hereditárias impulsionaram o crescimento das vilas, que aos poucos se transformaram em províncias, e, mais tarde constituíram alguns estados brasileiros. A herança dos sistema de capitanias hereditárias pode ser sentido até hoje através do coronelismo e das famílias que seguem mantendo o poder em certos estados. Martim Afonso de Sousa permaneceu pouco tempo em sua capitania, pois foi deslocado para ocupar um posto nas Índias. Quem administrou a terra foi sua esposa, Ana Pimentel.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Revolução Inglesa

A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema da época moderna, identificado com o absolutismo. O poder monárquico, severamente limitado, cedeu a maior parte de suas prerrogativas ao Parlamento e instaurou-se o regime parlamentarista que permanece até hoje. O processo começou com a Revolução Puritana de 1640 e terminou com a Revolução Gloriosa de 1688. As duas fazem parte de um mesmo processo revolucionário, daí a denominação de Revolução Inglesa do século XVII e não Revoluções Inglesas. Esse movimento revolucionário criou as condições indispensáveis para a Revolução Industrial do século XVIII, abrindo espaço para o avanço do capitalismo. Deve ser considerada a primeira revolução burguesa da história da Europa, a qual antecipou em 150 anos a Revolução Francesa. A Vida Social Antes da Revolução Inglesa Com a Dinastia Tudor, a Inglaterra teve muitas conquistas, que serviram de base para o desenvolvimento econômico do país. Os governos de Henrique VIII e de sua filha Elisabeth I trouxeram a unificação do país e o afastamento do Papa, além de confiscar os bens da Igreja Católica e ao mesmo tempo criar o anglicanismo, e entrar na disputa por colônias com os espanhóis. Foi com esses monarcas que também ocorreu a formação de monopólios comerciais, como a Companhia das Índias Orientais e dos Mercadores Aventureiros. Isso serviu para impedir a livre concorrência, embora a ação tenha sufocado alguns setores da burguesia. Então, resultou na divisão da burguesia de um lado, os grandes comerciantes que gostaram da política de monopólio, e de outro a pequena burguesia, que queria a livre concorrência. Outro problema era a detenção de privilégios nas mãos das corporações de ofício. Uma outra situação problemática era na zona rural, com a alta dos produtos agrícolas as terras foram valorizadas. Isso gerou os cercamentos, isto é, os grandes proprietários rurais queriam aumentar suas terras expropriando as terras coletivas, transformando-as em particulares. O resultado foi a expulsão de camponeses do campo e a criação de grandes propriedades para a criação de ovelhas e para a produção de lã, condições imprescindíveis para a Revolução Industrial. Para não deixar o conflito entre camponeses e grandes proprietários aumentar, o governo tentou impedir os cercamentos. Claro que, com essa ação a nobreza rural, Gentry (a nobreza progressista rural) e a burguesia mercantil foram fortes oponentes. Dinastia Stuart Essa dinastia iniciou-se após a morte da rainha Elisabeth I, em 1603, que ao morrer sem deixar herdeiros, promoveu o início da Dinastia Stuart. JAIME I, rei da Escócia (1603-1625). Dissolveu o parlamento várias vezes e quis implantar uma monarquia absolutista baseada no direito divino, perseguiu os católicos e seitas menores, sob o pretexto que eles estavam organizando a Conspiração da Pólvora (eliminar o Rei), em 1605. Muitos que ficaram descontentes começaram a ir para a América do Norte. Os atritos entre o Rei e o Parlamento ficaram fortes e intensos, principalmente depois de 1610. Em 1625, houve a morte de Jaime I e seu filho Carlos I, assumiu o poder. CARLOS I, sucessor de Jaime I (1625- 1648). Tentou continuar uma política absolutista e estabelecer novos impostos, mas foi impedido de fazer isso pelo parlamento. Em 1628, com tantas guerras, o rei viu-se obrigado a convocar o parlamento, que sujeitou o rei ao juramento da “Petição dos Direitos” (2 Carta Magna inglesa) - garantia a população contra os tributos e detenções ilegais. O parlamento queria o controle da política financeira e do exército, além de regularizar a convocação do parlamento. A resposta real foi bem clara: a dissolução do parlamento, que voltaria a ser convocado em 1640. O rei Carlos I governou sem parlamento, mas buscou o apoio da Câmara Estrelada, uma espécie de tribunal ligado ao Conselho Privado do Rei. Também tentou impor a religião anglicana aos calvinistas escoceses (presbiterianos). Isso gerou rebeliões por parte dos escoceses, que invadiram o norte da Inglaterra. Com isso, o rei viu-se obrigado a reabrir o parlamento em abril de 1640 para obter ajuda da burguesia e da Gentry. Mas o parlamento tinha mais interesse no combate ao absolutismo. Por isso, foi fechado novamente. Em novembro do mesmo ano foi convocado de novo. Desta vez ficou como o longo parlamento, que se manteve até 1653. A Guerra Civil (1641-1649) A guerra civil inglesa estendeu-se de 1641 a 1649, dividiu o país e foi um marco importante na Revolução Inglesa. De um lado havia os cavaleiros, o exército fiel ao rei e apoiado pelos senhores feudais. Do outro, os Cabeças Redondas, visto que não usavam perucas e estavam ligados à Gentry, eram forças que apoiavam o parlamento. Em 1641, começava a guerra civil. O rei teve o apoio dos aristocratas do oeste e do norte, juntamente com uma parte dos ricos burgueses, que estavam preocupados com as agitações sociais. Em contrapartida, o exército do parlamento foi comandado por Oliver Cromwell, formado por camponeses, burgueses de Londres e a Gentry. Os Cabeças Redondas derrotaram os Cavaleiros na Batalha de Naseby em 1645. Carlos I perdeu a guerra e fugiu para a Escócia. Lá, foi preso e vendido para o parlamento inglês, que por sua vez mandou executar o monarca. Ao tomar esta decisão, a sociedade representada pelo parlamento rompia com a ideia da origem divina do rei e de sua incontestável autoridade. Assim, a guerra civil fomentou novas ideias, lançando as bases políticas do mundo contemporâneo. A Revolução Puritana (1649-1658) O governo de Oliver Cromwell atendia aos interesses burgueses. Quando começou a haver rebeliões na Escócia e na Irlanda, ele as reprimiu com brutalidade. Oliver procurou eliminar a reação monarquista. Fez uma “limpeza” no exército. Executou os líderes escavadores (trabalhadores rurais que queriam tomar terras do estado, nobreza e clero). Com tantas execuções, os menos favorecidos ficaram à “mercê da sorte” e acabaram por entrar em movimentos religiosos radicais. Uma medida para combater os holandeses e fortalecer o comércio foram os Atos de Navegação. Essa lei resumia-se no seguinte: o comércio com a Inglaterra só poderia ser feito por navios ingleses ou dos países que faziam negócios com a Inglaterra. Em 1653, Oliver autonomeou-se Lorde Protetor da República. Seus poderes eram tão absolutos quanto os de um rei. Mas ele recusou-se a usar uma coroa, embora na prática agisse como um soberano. Com apoio dos militares e burgueses, impôs a ditadura puritana, governando com rigidez e intolerância, e com ideias puritanas. Ele morreu em 1658 e seu filho Richard Cromwell assumiu o poder. Mas este logo foi deposto em 1659.
A Volta dos Stuart e a Revolução Gloriosa (1660 -1688) Carlos II, (1660 – 1685) da família Stuart, é proclamado rei da Inglaterra com poderes limitados. Por isso, estreitou ligações com o rei francês Luis XIV, o que logo manchou sua reputação com o parlamento. Carlos II baixou novos Atos de Navegação favoráveis ao comércio inglês. Envolveu-se na guerra contra a Holanda. Em 1673, o parlamento aprovou a lei do teste: todo o funcionário público deveria professar o anticatolicismo. Com essas atitudes o parlamento ficou dividido em dois grupos: os Whigs, que eram contra o rei e favoráveis às mudanças revolucionárias além de serem ligados a burguesia, e os Tories, que eram defensores feudais e ligados à antiga aristocracia feudal. Jaime II (1685 – 1688). Com a morte de Carlos II, seu irmão Jaime II assume o governo. Este tomou medidas drásticas: quis restaurar o absolutismo, o catolicismo, também punia os revoltosos com a negação do habeas corpus, proteção à prisão sem motivo legal. O parlamento não tolerou esse comportamento e convocou Maria Stuart, filha de Jaime II e esposa de Guilherme de Orange, para ser a rainha. Com isso, o rei foge para a França e Maria Stuart e seu esposo tornaram-se monarcas ingleses. Este assinou a Declaração dos Direitos (o rei não podia cancelar as leis parlamentares; o reino poderia ser entregue a quem o parlamento quisesse, após a morte do rei; inspetores controlariam as contas reais; e o rei não deveria manter um exército em épocas de paz), o qual concedia amplos poderes ao Parlamento. Essa foi a Revolução Gloriosa.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

'O rei Leopoldo II da Bélgica e o holocausto negro no Congo

Reproduzimos a seguir o artigo O rei Leopoldo II da Bélgica e o holocausto negro no Congo, de Israel Junior Silva, que retrata as atrocidades do colonialismo europeu na África. Quando se fala em atrocidade, um nome, inevitavelmente, vem à cabeça: Hitler! Mas, agora, outro nome se juntará à galeria dos monstros da história da humanidade: o do rei Leopoldo II, da Bélgica. E isso graças ao escritor polonês, naturalizado britânico, Adam Hochschild, que no livro “O Fantasma do Rei Leopoldo”, relata uma das maiores chacinas já cometidas em nome do poder, a mando do rei belga, quando colonizou o Congo (atual Zaire), no continente africano. As piores atrocidades aconteceram entre 1890 e 1910, tudo isso sem que o rei colocasse os pés na África e com o aval dos líderes mundiais, que fizeram “vista grossa”, enquanto milhares de congoleses sucumbiam ante a tirania do “filantrópico e humanitário” rei, que aos olhos do mundo “apenas libertava aquele povo medieval de uma ignorância crônica, levando até eles as benesses da civilização”. Congo Belga, como ficou conhecido na época, foi uma das grandes fontes de riqueza para a minúscula Bélgica, que se enriqueceu com a venda de marfins, que eram extraídos em detrimento da morte de centenas de milhares de elefantes africanos, hoje ameaçados de extinção. Outra fonte de riqueza foi a extração da borracha, responsável pelo desaparecimento de muitas espécies de árvores nativas daquela região. Mas foi em outro aspecto que a tirania do rei Leopoldo mais se acentuou: na instituição do trabalho escravo. A ordem era lucrar muito com pouco investimento, e isso, logicamente, significava não se preocupar com a folha de pagamento. Muitos oficiais belgas foram enviados ao Congo, após previamente estudarem um “Manual”, onde se ensinavam as “técnicas” de como subjugar o povo. No dizer do próprio autor, “poucas vezes a história nos oferece uma chance como essa de ver instruções detalhadas de como executar um regime de terror”. No livro, pode-se observar uma fotografia onde um oficial belga exibe, orgulhoso, o seu “jardim de crânios”, que consistia em uma cerca ao redor de sua casa, toda construída com cabeças africanas decepadas, numa clara intenção de intimidar os que, porventura, ousassem desobedecer as ordens de “Sua Majestade”. Num assombroso relato de uma africana, pode-se imaginar o inferno em que viviam os congoleses: “Quando estávamos todos reunidos – e havia muita gente de outras aldeias [...] – os soldados trouxeram cestos de comida para nós carregarmos, dentro dos quais havia carne humana defumada [...] ”. A extração do marfim era relativamente simples, pois os oficiais armavam-se com rifles, matavam centenas de elefantes e os africanos, amarrados por grossas correntes nas pernas, formavam longas filas e carregavam cargas pesadíssimas até a margem do rio Congo, onde navios esperavam para dali partirem rumo à Europa. Não é preciso dizer que nesse trajeto – dos locais das matanças até o rio – os negros eram constantemente açoitados e muitos morriam por não suportar o peso da carga. A comida era uma ração, distribuída uma única vez ao dia e muito inferior àquela que era destinada aos cavalos do rei. Para extrair a borracha, houve um impasse. Como os negros precisavam subir nas árvores, era impossível mantê-los acorrentados uns aos outros, o que dificultava o recrutamento de “voluntários”. Mas, como não existia obstáculo que pudesse deter o regime de terror, os belgas invadiam as aldeias, raptavam mulheres e crianças e exigiam como pagamento por sua liberdade uma quantia de látex que necessitava de 24 dias para ser extraído. Dessa forma, vários africanos eram obrigados a se embrenhar na mata para conseguirem a matéria-prima da borracha e muitos eram devorados por leões e leopardos. Os que retornavam, muitas vezes encontravam esposas e filhos mortos, ou violentados pelos soldados do rei. As mulheres mais bonitas eram entregues aos oficiais, como forma de amenizar o celibato forçado em que viviam. Muitos aventureiros de toda a Europa foram para o Congo, nessa época, atraídos pelo dinheiro fácil conseguido através da venda de escravos. Outros invadiam as aldeias que resistiam ao trabalho de extração da borracha e, para cada bala disparada, tinham que apresentar a um oficial belga a mão direita do africano morto, para só assim receberem o pagamento. Como alguns utilizavam a munição para caçar, decepavam mãos de pessoas vivas, no intuito de justificar a bala desperdiçada. A prova disso são várias fotos espalhadas pelo livro, onde se vê homens, mulheres e até crianças mutiladas. A cena presenciada pelo missionário presbiteriano William Sheppard, descrita pelo autor, é chocante e dispensa maiores comentários: “No dia em que chegou ao acampamento dos saqueadores, chamou-lhe a atenção um grande número de objetos sendo defumados. O chefe ‘nos levou até uma estrutura de paus, sob a qual queimava um fogo lento, e lá estavam elas, as mãos direitas, contei-as todas, 81’. O chefe disse a Sheppard: ‘Veja! Aqui está nossa prova. Eu sempre tenho que cortar a mão direita das pessoas que matamos, para poder mostrar ao Estado quantas foram’. Com muito orgulho, mostrou a Sheppard alguns dos corpos de onde as mãos tinham saído. A fumaça era para preservar as mãos no calor e umidade, já que podia levar dias, ou semanas, até o chefe poder exibi-las ao oficial encarregado e receber os créditos por suas matanças”. O castigo belga - mãos cortadas Para se ter uma ideia de tanta desumanidade, basta observar o que disse um oficial, conhecido por Fiévez, tentando justificar a chacina de cem pessoas, quando estas não conseguiram fornecer aos seus soldados o peixe e a mandioca exigidos: “Eu fazia guerra contra eles. Um exemplo bastava: cem cabeças cortadas fora e a estação voltava a ser abastecida com fartura. Meu objetivo final é humanitário. Eu mato cem pessoas [...] mas isso permite que outras quinhentas vivam”. Como afirmou Edmund Morel, uma das maiores vozes que ecoaram contra o trabalho escravo dos africanos, “o Congo é uma sociedade secreta de assassinos, tendo um rei como cabeça”. São muitas as atrocidades, impossíveis de serem descritas em apenas um artigo. Mas, para quem pensava que no ranking dos monstros da humanidade, Hitler fosse imbatível, uma novidade: o pódio é também ocupado pelo rei Leopoldo II, da Bélgica, que traz em seu currículo 8 milhões de africanos dizimados, contra 6 milhões de judeus mortos, inseridos no histórico do austríaco. A diferença entre os dois é que Hitler gostava de fazer propaganda de suas bestialidades e suas vítimas foram um povo branco, enquanto o belga, que optou pelos negros, como todo psicopata que se preze, matava com discrição, com um inevitável sorriso nos lábios, além de passar uma imagem de bonzinho para o resto do mundo. No mais, foram monstros paridos pela escória, embora nascidos em épocas e circunstâncias diferentes. O poeta norte-americano Vachel Lindsay traduziu bem a impressão deixada por Leopoldo, após sua morte: “Ouçam como grita o fantasma de Leopoldo/A queimar no inferno por suas hostes sem mãos./Escutem como riem e berram os demônios/Lá no inferno, a lhe cortar fora as mãos”.

Mulheres negras eram usadas em dolorosos experimentos.

MULHERES NEGRAS USADAS COMO COBAIAS PARA EXPERIMENTOS GINECOLÓGICOS. James Marion Sims é anunciado como um cirurgião inovador. Muitos se referem a ele como o pai da ginecologia americana. No entanto, outros acham que ele não deveria ser elevado com esse título de prestígio, porque se utilizou os escravizadas como sujeitos de suas experiências. Em 1845, Dr. Sims estabeleceu um hospital particular para as mulheres no Alabama. Aqui, ele iria realizar várias cirurgias experimentais. O primeiro foi para reparar uma fístula urogenital, nesta época, mulheres que sofriam desta doença eram consideradas socialmente inaptas. Sims realizou a cirurgia experimental em sete escravas que sofreram com esta doença. Ele fez isso em um esforço para investigar, desenvolver e melhorar métodos sobre a saúde feminina, porém, tais essas descobertas foram conquistas a base de experiências sobre as mulheres escravizadas no Alabama, utilizadas como cobaias em experimentos brutais e doloridos. Ele operou nas mulheres negras durante 4 a 5 anos sem a utilização de anestesia ou condições anti-sépticas adequadas. Só numa destas mulheres, Sims a operou pelo menos 30 vezes! Aperfeiçoou suas técnicas através da experimentação em escravas e só depois ele iria realizar a cirurgia reparadora em mulheres caucasianas, com o uso de anestesia. Foram com estas cirurgias experimentais que Dr. Sims 'fez o caminho para cirurgias vaginais nos moldes que hoje conhecemos. É ele o homem que inventou o instrumento ginecológico conhecido como o espéculo. A posição que os pacientes são colocados durante um exame retal também foi idealizado por ele. Em 1852, foi reportado que a sua técnica de sutura com fio de prata resultou na reparação bem sucedida de uma fístula urogenital. Todas as vezes em que as mulheres, hoje, forem aos seus ginecologistas fazer exames ou mesmo alguma cirurgia desenvolvida através dos experimentos de Dr Sims, devem se lembrar da dor dilacerante por que passaram estas 7 mulheres pretas utilizadas como cobaias, sem anestesia de 4 a 5 anos. Nesse período elas foram expostas a experiências que as traumatizariam por toda a vida. O médico acreditava que os africanos eram insensíveis a dor e realiza operações cirúrgicas nas mulheres. Os procedimentos experimentais como histerectomia, laqueadura tubária foram feitos nessas condições insalubres, as negras escravizadas ainda seriam testada para avaliação a reação de algumas doenças. Pode-se imaginar também que nenhuma forma de respeito, cuidado ou carinho foram destinados à elas, restando-lhes somente as humilhações em silêncio. Só para lembrar, atualmente, pesquisas apontam que mulheres negras e pardas são menos assistidas em pré-natal, recebem menos anestesias na hora do parto e morrem mais de doenças ginecológicas e na hora do parto. Fontes para estas notícias: http://elo.com.br/portal/noticias/ver/128714/gravidas-pardas-e-negras-recebem-menos-anestesia-no-parto.html . http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pretas-recebem-menos-anestesia,703837,0.htm . http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-05-13/especialistas-pedem-mudancas-no-sus-para-melhorar-atendimento-mulheres-negras

domingo, 2 de abril de 2017

Revolução Pernambucana de 1817

As origens da Revolução Pernambucana A Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres, devido a importância que os mesmos tiveram em sua organização e divulgação, foi um movimento separatista contra a Coroa Portuguesa que ocorreu em 1817 na capitania de Pernambuco. Pernambuco possuía uma longa tradição de buscar a solução de seus problemas com recursos próprios, desde a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro em 1654, após nove anos de guerra com pouco apoio dos portugueses. O contato com a administração holandesa, que permitia certa autonomia comercial e cultural, somada à vitoriosa luta contra estes, tornou o povo pernambucano particularmente orgulhoso e receptivo às ideias de liberdade e respeito aos seus méritos, julgando-se com direito de contestar em diversas ocasiões a autoridade do governo português, como na Guerra dos Mascates(1), em 1710. No início do século XIX, a cidade Olinda e a vila Recife somavam mais de 40 mil habitantes, um conjunto urbano grande para a época. Pernambuco possuía um porto muito movimentado em Recife, alguns povoados e vilas com um comércio ativo, muitas plantações de cana e algodão, além de centenas de engenhos que fabricavam açúcar. A exclusividade comercial com Portugal garantia a arrecadação dos tributos à Coroa e dava aos comerciantes portugueses o controle sobre os prazos e o preço das mercadorias, em uma relação desvantajosa que gerava um crescente desagrado para os brasileiros. Outro motivo de descontentamento da elite pernambucana era motivado pelo fato dos brasileiros raramente conseguirem ocupar os cargos mais importantes da administração pública, reservados aos portugueses. A crescente pressão dos abolicionistas na Europa criou crescentes restrições ao tráfico de escravos, o que tornava esta mão-de-obra cada vez mais cara, sendo a escravidão o motor de toda a economia agrária pernambucana. Os holandeses passaram a produzir e comercializar açúcar a partir de suas colônias na América Central (Antilhas), fazendo o preço do produto cair no mercado e diminuir o número de compradores, prejudicando os lucros dos senhores de engenho e comerciantes pernambucanos, tornando mais difícil o pagamento de dívidas, a importação de mercadorias e dos cada vez mais caros escravos africanos. Em 1816 uma grande seca atingiu Pernambuco e região, causando uma queda na produção do açúcar e do algodão, que sustentavam a economia, o que gerou miséria e fome para parte da população, com falta de farinha e feijão. Este conjunto de dificuldades pelas quais passava a capitania levou os pernambucanos em busca de saídas para a crise, e eles encontraram novas inspirações nos exemplos dos Estados Unidos e da França. Além disso, o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos aos hispano-americanos em conflito contra a metrópole espanhola alimentava a expectativa de que iniciativas revolucionárias na América portuguesa pudessem contar com o mesmo tipo de ajuda. O fato de haver uma considerável quantidade de ingleses estabelecidos nas grandes cidades brasileiras e movimentarem uma quantia cada vez maior de dinheiro em seus negócios reforçava essa expectativa, uma vez que os interesses dos britânicos eram os mesmos que os das elites nordestinas, como o fim do monopólio e estabelecimento do livre comércio. Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ocorre a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, favorecendo os comerciantes brasileiros, que não precisavam mais dividir seus lucros com os intermediários portugueses. No entanto, as iniciais vantagens econômicas e culturais com as visitas de estrangeiros não foram seguidas por vantagens políticas. A instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro fez com que todas as capitanias tivessem que pagar novos impostos sobre a exportação do açúcar, tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras taxas, afetando diretamente as capitanias do norte, que a Corte sobrecarregava com recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas das guerras na Guiana e no Prata(2). As riquezas que saiam de Pernambuco eram usadas para custear a crescente estrutura burocrática do reino e financiar obras públicas para a modernização da cidade do Rio de Janeiro, de modo a aumentar o conforto da corte portuguesa e o prestígio com os visitantes estrangeiros. Outro efeito da vinda da família real portuguesa para o Brasil foi o deslocamento do eixo de importância política no Brasil do norte para o sul, o que, juntamente com o sucessivo aumento de impostos, contribuiu para aumentar a instabilidade política e as tensões sociais. Na mesma medida em que diminuíam os lucros e o poder político da elite pernambucana, aumentavam o descontentamento e desejo de autonomia. As conversas criticando a Coroa Portuguesa aconteciam abertamente nas ruas, festas e repartições públicas, tendo como um dos principais alvos o governador da capitania desde 1804, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro. O experiente ex-governador do Mato Grosso era considerado tolerante, omisso e pouco voltado para o trabalho, o que resultou em uma administração ineficiente, com estradas e edifícios públicos mal conservados e serviços essenciais, como a limpeza nas ruas, feitos com desleixo. Os militares, recebendo baixos salários com atraso, pouco cuidavam dos problemas de segurança. Entre aqueles que publicamente espalhavam ideias liberais e republicanas destacavam-se os padres formados no Seminário de Olinda. Pelo menos 70 padres participaram do levante, segundo os cálculos feitos [...] sobre os autos da devassa. Entretanto, como muito dos documentos sobre 1817 foram destruídos pelos próprios revolucionários no momento em que as forças realistas encurralavam os levantados, e como a devassa foi encerrada antes de chegar às suas primeiras conclusões, é presumível que o número de eclesiásticos na revolução pernambucana seja ainda maior. [...] A documentação é abundante em demonstrar que o clero se empenhou em persuadir e aliciar a população a favor da revolução, consolidando conquistas e intimando indecisos e desobedientes. Próximos aos militares, os padres desempenharam diversos papéis nas tropas desde capitães de guerrilha até soldados. Há até casos em que alguns conventos serviram de campo de treinamento militar ou mesmo como local para alojar armas. A revolução de 1817 só terá sucesso em se difundir por regiões mais amplas quando fizer uso do aparelho eclesiástico, atingindo até mesmo os sertões por meio de fios que ligavam os vigários, as igrejas e paróquias às grandes autoridades do bispado. Os púlpitos, pastorais e até os livros de tombo das paróquias estarão impregnados pelo ideário revolucionário. O governo provisório por meio do clero fez circular pastorais instruindo os fiéis a abandonarem as rivalidades que dividiam o rebanho entre brasileiros e europeus [...]. Dessa forma, as pastorais, amparadas pelas explanações do clero serviram como um dos vários instrumentos políticos de doutrinação para legitimar o levante. (Andrade, 2011:246-247). Os comerciantes portugueses, ligados à exportação de açúcar e algodão, estavam cada vez mais amedrontados no ambiente hostil em que viviam, preocupados por um lado com a violência de uma possível revolta de negros e mulatos e, por outro lado, com a rivalidade dos grandes proprietários brasileiros, que se consideravam nobres por possuírem terra e chamavam os lusitanos pejorativamente de “mascates” ou “marinheiros”, porque estes chegavam da Europa em navios. Contribuía para aumentar a hostilidade, o fato dos portugueses emprestarem dinheiro aos brasileiros com juros mais altos do que a outros portugueses, e cobrarem pesadas multas por atrasos nos pagamentos.
A Maçonaria na Revolução Pernambucana de 1817 Devido à repressão que enfrentou ao longo do tempo, por motivos religiosos ou políticos, a Maçonaria tornou-se uma entidade reservada, dificultando uma pesquisa adequada de sua cronologia ou atuação nos movimentos ocorridos, o que abre espaço para lendas e especulações sem confirmação. A participação maçônica em alguns episódios brasileiros poderia ser erroneamente creditada por conta do fato dos conspiradores se reunirem em associações secretas, inspirados pelas mesmas ideias iluministas e libertárias que caracterizavam os encontros da Maçonaria. Outro engano comum na época dos movimentos era o das autoridades dos regimes monárquicos caracterizarem qualquer simpatia às ideias republicanas com “as francesias”, que equivaleriam aos ideais da Maçonaria, associando sempre ambos. Portugal até então não havia fundado nenhuma universidade no Brasil. A elite intelectual brasileira era pequena e poucos possuíam recursos para custear um curso superior na Europa ou em seminários religiosos. Por isso merece destaque o seminário de Olinda, fundado em 1800, que teve entre seus professores e alunos notáveis pensadores e militantes políticos liberais. Muitos deles deram importante contribuição às revoltas pernambucanas de 1817 e 1824 e à própria organização política do Império. (Andrade, 1995:10). Na difusão das ideias liberais, se destacou o médico e botânico paraibano Manuel de Arruda Câmara, que estudou na França e trouxe para o Brasil os ideais maçônicos, fundando no Pernambuco em 1796 o “Areópago(3) de Itambé”, a primeira loja da Maçonaria oficialmente reconhecida no Brasil. Em 1814 há o estabelecimento em Recife da loja maçônica “Patriotismo”. Em 1816 funcionavam em Pernambuco mais três lojas: “Restauração”, “Pernambuco do Oriente” e “Pernambuco do Ocidente”, as duas últimas fundadas pelo comerciante mulato Antônio Gonçalves da Cruz, conhecido como “Cabugá”. Estas lojas eram apresentadas ao público como academias de intelectuais, pois os membros de sociedades secretas eram sujeitos a condenação por crime de lesa-majestade. Os maçons passaram a fazer reuniões sigilosas e discutir diversos assuntos, entre os quais estavam as "infames ideias francesas" e a elaboração de planos para uma revolução. Entre eles destacavam-se os padres, comerciantes, militares, juízes e proprietários de terras e de escravos. Homens ricos, instruídos e poderosos, que buscavam alternativas variando de ideias conservadoras como uma Constituição que limitasse os poderes da família real portuguesa ao radicalismo de uma república independente com reforma tributária, baseada nas ideias de liberdade, igualdade e federação, que lhes permitisse manter os direitos e privilégios que possuíam na ordem colonial. Entre os líderes e participantes da Revolução Pernambucana de 1817 estavam diversos maçons comprovados: padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro, Domingos José Martins e capitão Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa, os três eleitos membros da Junta Governista; padre Miguel Joaquim de Almeida Castro (padre Miguelinho), eleito Secretário de Estado do governo provisório; o capitão José de Barros Lima (Leão Coroado), capitão Pedro da Silva Pedroso e o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, responsáveis pelo início do levante no quartel de Artilharia e o comerciante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá), embaixador do governo provisório nos Estados Unidos e responsável pela compra de armas para a revolução. O padre maçom Francisco Muniz Tavares, participante da revolução, descreve da seguinte forma a influência da Maçonaria no movimento pernambucano: Na vida efêmera de 74 dias, decurso do regime republicano de 1817, a revolução espalhou-se rapidamente não só ao norte e sul, graças as credenciais de Suassuna preparando o espírito dos irmãos ao norte em repetidas viagens, de Teotônio Jorge fazendo o mesmo ao sul e de José Luiz Mendonça iniciando em sua casa os capitães do interior. Para o provar citamos as palavras de Oliveira Lima, referindo-se à generalização no centro da província e na Paraíba, onde não foi preciso inflamar a propaganda: “Os proprietários rurais, os militares e os populares que marchavam para a capital da capitania onde as lojas maçônicas havia anos se nutriam dos novos ideais, foram ali recebidos com efusão, sendo proclamado o novo regime no dia 13 de março e organizada uma junta temporária, a exemplo de Pernambuco.” (Pereira, 2010).
O início da Revolução Pernambucana No dia 01 de março de 1817, o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros assinou uma denúncia de conspiração, confirmada por várias pessoas, encaminhada ao Ouvidor da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira. Diante dos ânimos exaltados e da denúncia formal, com a intenção de evitar um levante, em 04 de março o governador comunicou uma ordem do dia para as tropas, chamando-as à obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e portugueses. No dia 05 de março, dirige uma proclamação à população louvando a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, dizendo que todos eram vassalos do mesmo soberano. No dia 06 de março de 1817, o governador ordena o estado de alerta nos fortes e quartéis, realiza um Conselho de Guerra, ordenando a prisão imediata de treze pessoas entre acusados e suspeitos, principalmente os militares, para neutralizar qualquer resistência. Os civis foram presos com facilidade. Entretanto, no Regimento de Artilharia, o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”, seguido no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti. Ao saber do ocorrido, o governador prontamente enviou seu ajudante de ordens, tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Este, ao entrar no quartel, gritando ordens aos amotinados, foi morto por tiros comandados pelo capitão Pedro da Silva Pedroso. Os militares rebeldes do quartel da artilharia foram para as ruas e em pouco tempo ocuparam os bairros de Santo Antônio e do Recife, no centro da cidade, libertando os civis republicanos que estavam presos. Temendo ser aprisionado e não confiando em suas tropas, o governador, acompanhado de alguns militares da guarda do palácio, refugiou-se na guarnição da Fortaleza do Brum, junto ao porto. O marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da Capitania, resiste com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o Palácio do Governo e a Casa do Erário(4), mas a falta de munição e de orientações do governador convence-no a se render. Acompanhado de seus homens, é permitido juntarem-se ao governador na Fortaleza do Brum. A rebelião ganha adesão das camadas mais pobres da população. Os bairros São José e Boa Vista são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses, temendo agressões e saques, fecham suas lojas e se escondem ou abandonam Recife com suas posses, fugindo para a Bahia e informando os fatos a seu governador.
Recife na Revolução Pernambucana de 1817 Imagem: ANDRADE, MANUEL Correia de. A Revolução Pernambucana de 1817. São Paulo: Ática,1995. p. 16-17.  Já no dia 07 de março, com Recife e Olinda dominadas, a notícia da revolução espalha-se pelo interior da capitania. Proprietários de terras dos arredores e comandantes de outras guarnições militares vêm à capital garantindo apoio. Cercado na fortaleza com poucos militares e funcionários, sem condições de resistir, o governador assinou um ultimato que lhe foi levado pelo também revolucionário juiz José Luís de Mendonça, entregando o governo da capitania aos revoltosos. No dia 09 de março de 1817 embarcou com os sitiados da fortaleza para o Rio de Janeiro. Ao chegar na capital do reino em 25 de março, confirmou a notícia da revolução ao Ministro Interino dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Araújo e Azevedo, o primeiro conde da Barca, que responsabilizando o governador deposto pela derrota, imediatamente o recolhe preso à Ilha das Cobras, onde ficará por quatro anos, ocupando depois cargos na corte carioca Enquanto isso, em Recife, o governo republicano se consolidava com rapidez. Ainda em 07 de março, inspirados no Diretório francês de 1795, foram reunidos dezesseis dos mais notáveis cidadãos locais, dos quais dois eram negros, e elegeram uma junta com cinco membros representantes das categorias que lideravam o movimento, tendo como presidente o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. No dia 08 foi criada a Secretaria de Estado, entregue, a princípio, ao mesmo secretário do governo português anterior, José Carlos Mayrink da Silva Fernão e, posteriormente, ao padre Miguelinho. Criou-se nesse mesmo dia o Conselho de Estado, com função de prestar assessoria à Junta Governista. A Presidência do Erário ficou a cargo do rico negociante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá) que, ao partir como embaixador para os Estados Unidos, a entregou a Gervásio Pires Ferreira. Nomeou-se o tenente Felipe Nery Ferreira como Juiz de Polícia; a Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa como General-em-Chefe do Exército e como General de Divisão a Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, vulgo Suassuna, então Capitão-Mor de Olinda. Desde o início, o governo procurou o apoio da elite local, evitando radicalismos, conciliando interesses de brasileiros e portugueses, respeitando os compromissos com a Igreja Católica e confirmando a propriedade dos senhores sobre suas terras e escravos. Os revolucionários afirmavam que, apesar de necessária, a abolição da escravidão só seria realizada a longo prazo e com as garantias legais. Na proclamação de 29 de março, o governo revolucionário anunciava a convocação de uma Assembléia Constituinte formada pelos representantes eleitos de todas as comarcas, estabelecia a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mantinha o catolicismo como religião oficial – mas tolerando os demais cultos cristãos – e proclamava a liberdade de imprensa. Anunciava ainda que o governo provisório seria imediatamente substituído pelo governo eleito após a aprovação da Constituição da República. (Andrade, 1995:19). Para conquistar a simpatia do povo, este projeto de Lei Orgânica (que é o primeiro texto constitucional brasileiro) aumentou em três ou quatro vezes o soldo dos militares e promoveu os oficiais revoltosos, alguns em até três graus na hierarquia. Os impostos sobre a carne e outros alimentos essenciais foram abolidos, proibiu-se a detenção por simples denúncia, estabeleceu que os estrangeiros da região que dessem provas de adesão seriam considerados "patriotas" e permitiu-se a permanência de portugueses que não se opusessem ao modelo republicano. Garantiu o direito de propriedade (inclusive de escravos), anulação de processos civis e criminais movidos pela Coroa Portuguesa, o sequestro dos bens dos negociantes que fugiram por causa da revolução e determinou-se a cunhagem de novas moedas. Adotou-se uma nova bandeira e, imitando a Revolução Francesa, substituiu-se o tratamento português de “vossa mercê” por simplesmente “vós” de forma a destacar a igualdade entre as pessoas, além de tratarem-se pelo termo “patriota” ou usarem este no lugar de usual “senhor”. Alguns padres mais entusiasmados, para marcar a identidade nativa, usaram aguardente nas missas em lugar do vinho e hóstias feitas de mandioca em lugar do trigo. Para a publicação das leis e outras resoluções, se fundou em Recife a primeira tipografia da capitania (e terceira do Brasil, onde, à época, funcionavam apenas a Impressão Régia, no Rio de Janeiro, e a tipografia de Manuel Antônio da Silva Serva, na cidade de Salvador). Entretanto era difícil o consenso dos interesses entre os envolvidos: senhores de engenho, escravos libertados, militares e intelectuais que desejavam emprego na administração pública. Alguns dos participantes apenas ganhavam tempo, aguardando uma reação das forças leais ao governo português. Manuel Correia de Araújo, membro da Junta Governista representando os senhores de engenho, viria mais tarde colaborar com as forças governistas de repressão. Antônio de Morais Silva, senhor de engenho e respeitado intelectual, autor de um famoso dicionário, não compareceu às reuniões do Conselho de Estado para o qual foi nomeado, sempre alegando doença. Outros, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que comandou o ataque das forças militares pernambucanas, tiveram atitudes dúbias quando a revolução foi derrotada. Além do conflito de interesses, havia uma grande massa de escravos em relação aos quais era necessário tomar decisões claras. Entre os revolucionários mais radicais, existiam os que propunham a abolição do trabalho servil, como forma a ganhar a adesão destes. Esta posição encontrava forte oposição dos proprietários rurais, cuja riqueza dependia do trabalho escravo. Após debates iniciais, as lideranças revolucionárias assumiram uma posição ambígua quanto à questão. Os escravos não foram libertados e a participação dos negros no movimento tornou-se limitada. Adesões à Revolução Pernambucana O movimento ganhou o apoio da Ilha de Itamaracá, decretou a prisão do juiz de foro da cidade de Goiana, associado à Monarquia e mandou emissários para outras capitanias procurando apoio. O capitão José de Barros Falcão de Lacerda, que entre 1811 e 1812 foi comandante do presídio da Ilha de Fernando de Noronha, foi designado para ir a esta ilha, neutralizar suas fortificações e trazer para Recife os arquivos militares, a maioria dos militares que lá se encontravam em serviço e recrutar presos condenados por penas leves. Para a Bahia foi por mar o padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (padre Roma). Parando em Sergipe, consegue a adesão do tenente-coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, comandante de Alagoas, então comarca de Pernambuco. Chegando, porém às imediações da cidade de Salvador, foi preso ao desembarcar na praia de Itapoã, por ordem do governador da capitania baiana, onde já havia chegado a notícia da rebelião pernambucana. Padre Roma ainda teve tempo de jogar na água papéis comprometedores que trazia. O que não impediu que fosse rapidamente julgado, condenado e fuzilado em 29 de março de 1817, três dias depois de ser preso. Para o Ceará seguiu por terra o jovem subdiácono(5) José Martiniano de Alencar que, após participar juntamente com seus familiares da proclamação da república na vila do Crato em 03 de maio de 1817, foi preso neste local com os outros envolvidos e enviados para Fortaleza. A República do Crato durou apenas oito dias, não contando com a participação de parte de sua população, o que facilitou o fim do movimento na cidade e consequentemente no Ceará. Na Paraíba e Rio Grande do Norte instalaram-se também, com rápida e fácil adesão, governos republicanos aliados ao pernambucano. Destacam-se os governos revolucionários pernambucano e paraibano pela intensa documentação criada em seu pouco tempo de existência. Na Paraíba, repleta de ex-alunos do Seminário de Olinda e primeira a aderir à revolução, o movimento se iniciou poucos dias depois de Recife, na vila de Itabaiana, graças ao apoio de sua principal autoridade militar, o tenente-coronel de cavalaria de linha Francisco José da Silveira. Além dele, participaram ativamente João Batista Rego, um dos chefes locais e proprietário de terras, além de Manuel Clemente Cavalcante, jovem de importante família local e que estudou em Recife. Manuel Clemente provocou um levante dos proprietários e recebeu apoio de várias vilas e povoações vizinhas, marchando sobre a cidade de Pilar e em seguida sobre a capital, a cidade da Paraíba. Não havendo resistência, formou-se uma junta governativa republicana em 13 de março de 1817. No entanto, muitos proprietários que a princípio apoiaram o movimento não gostaram da forma como foi realizada a eleição da junta, por considerarem que a escolha de seus membros não beneficiava igualmente a todos. Alguns retornaram a suas terras, apoiando depois a reação governista. No Rio Grande do Norte, então capitania subalterna de Pernambuco, o governador, capitão-mor José Inácio Borges, considerado como simpatizante das ideias liberais, procurou na cidade de Goianinha o rico proprietário do engenho Cunhaú, coronel de milícias André de Albuquerque Maranhão, para um pacto sobre a defesa da monarquia. André Maranhão, depois de hesitar durante algumas horas, mandou prender o governador quando este pernoitava no engenho Belém, retornando à Natal. Enviou-o preso para Recife. Em 29 de março de 1817, diante do desinteresse da população, criou-se uma junta revolucionária dirigida pelo padre Feliciano José Dornellas e composta pelo coronel André de Albuquerque Maranhão, o tenente-coronel José Peregrino e o capitão-mor João de Albuquerque Maranhão. A diplomacia dos revolucionários pernambucanos no exterior Ao mesmo tempo em que o governo revolucionário pernambucano procurava a adesão de outras capitanias, enviava representantes ao exterior para conseguir apoio. Para a manutenção da nova república, movimentou-se a maçonaria em conseguir simpatia e recursos junto às suas lojas de Londres e, em particular, dos Estados Unidos. Para o Rio da Prata (Argentina) seguiu Félix José Tavares de Lima, com instruções para conseguir também ajuda entre os paraguaios, mas não obteve resultados. Para a Inglaterra foi Henry Kesner, um comerciante inglês residente em Recife, para se encontrar com o ministro Lord Castlereargh e pedir proteção daquele país para a república pernambucana. O governo inglês, porém, permaneceu neutro. Kesner também entregou documentos ao jornalista Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça convidando-o para defender a causa da revolução em Londres e lhe oferecendo o cargo de ministro plenipotenciário(6) da nova República. Este se negou a fazê-lo e publicou em sua revista (Correio Brasiliense) os documentos recebidos, com censuras ao movimento, que julgou imprudente e contrário aos interesses do Brasil. Para os Estados Unidos foram o tenente Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira e o negociante maçom Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá). Desembarcaram em maio de 1817 na Filadélfia com 800 mil dólares (aproximadamente 12 milhões de dólares, atualizado ao câmbio de 2007) e três objetivos: comprar armas e munições, convencer o governo americano a apoiar os rebeldes em troca de gêneros livres de impostos por vinte anos aos comerciantes americanos e recrutar oficiais norte-americanos da marinha ou antigos revolucionários franceses exilados nos Estados Unidos para, com a ajuda destes, melhorar a organização da revolução em Pernambuco. Em troca da participação dos oficiais franceses, os pernambucanos os apoiariam na libertação de Napoleão Bonaparte, exilado então pelos ingleses na Ilha de Santa Helena, transportando-o para Recife e posteriormente para os Estados Unidos. Cabugá dedicou-se aos encontros diplomáticos e recrutamento dos militares enquanto Domingos Malaquias ocupou-se das medidas práticas para a compra das armas. Cabugá chegou a se encontrar com o ex-presidente americano Adams e com o Secretário de Estado, Richard Rush, mas somente conseguiu o compromisso de que, enquanto durasse a rebelião, os Estados Unidos autorizariam a entrada de navios pernambucanos em águas americanas e que também aceitariam dar asilo ou abrigo a eventuais refugiados, em caso de fracasso do movimento. Os Estados Unidos ignoraram a proposta de apoio e prontamente (assim com a Inglaterra) legislaram no sentido de ser proibido o fornecimento oficial de armas e munições aos rebeldes. Conflitos na Revolução Pernambucana de 1817 O dividido governo provisório pernambucano entrou em crise quando Domingos José Martins, que havia formado uma tropa com trezentos escravos negros tirados de seus senhores, prometeu-lhes alforria para incentivá-los à luta. Para piorar a situação, Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa incentiva os negros a uma rebelião pela liberdade, enquanto o governo provisório (do qual os dois eram líderes na Junta Governista) tentava tranquilizar a população, principalmente os ricos senhores de terras, quanto ao direito de propriedade. O fato é que as elites agrárias poderiam ser anticolonialistas ou liberais, mas não eram antiescravistas, uma vez que sua riqueza dependia dessa mão-de-obra. E isso valia não apenas para os nordestinos, mas para todo o Brasil da época. Estas contradições causaram a perda de confiança das classes ricas que participavam da revolução, levando a maioria dos proprietários de terras e escravos do interior da capitania a apoiar o exército real e colaborar na reconquista de Recife. Os senhores de engenho não apoiaram a revolução e os comerciantes ainda menos. Portugueses em sua maioria, poucos deles se aliaram aos rebeldes. Apenas alguns, geralmente brasileiros, ficaram com os revolucionários, como Domingos José Martins e Gervásio Pires Ferreira. Após o fim da revolução, muitos senhores de engenho e comerciantes alegaram que tinham colaborado com os rebeldes à força ou à espera de uma oportunidade para enfrentá-los. Um bom exemplo deste oportunismo é o caso e José Carlos Maynrink da Silva Ferrão, que era secretário do governador deposto pelos revolucionários, continuou neste cargo durante a breve república pernambucana e depois que os revolucionários foram derrotados permaneceu ligado ao governo português. Em Pernambuco, mesmo com a posse dos principais centros urbanos (Recife e Olinda), a revolução republicana não conseguiu impor seu domínio sobre todo o território da capitania. Apesar das vitórias nas capitais da Paraíba e do Rio Grande do Norte, havia nestas capitanias focos de resistência no interior e desinteresse ou atitude duvidosa de parte da população. A defesa do território conquistado pelos revolucionários era difícil. O governo revolucionário contava com aproximadamente 3 mil homens, entre militares do Exército e civis voluntários, o que era uma tropa pequena em comparação ao tamanho do território. Os rebeldes tentaram organizar uma cavalaria, oferecendo o posto de capitão a quem formasse uma companhia de aproximadamente cem homens, mas não possuíam oficiais competentes para isso. Com uma grande faixa litorânea para defender e sem uma marinha de guerra, os pernambucanos aparelharam um brique(7), duas canhoneiras e uma embarcação mercante, colocando-os sob o comando de Luís Francisco de Paula Cavancanti, proprietário rural sem prática de navegação. O governador da Bahia, capitão-general Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos Arcos, após o fuzilamento do padre Roma, mesmo sem instruções do governo do Rio de Janeiro, rapidamente mobilizou os recursos militares da capitania, transformando-a na base das forças portuguesas para conter as forças revolucionárias. Sem demora, em 28 de março de 1817, enviou para Alagoas uma força terrestre como vanguarda, sob o comando do major José Egídio Gordilho Veloso de Barbuda para combater a pequena tropa de que dispunha Borges da Fonseca. A tropa alagoana dispersou sem oferecer resistência e seu chefe foi preso. Ao mesmo tempo avançavam rumo a Recife uma frota, armada às pressas, para realizar o bloqueio de seu porto, e por terra a maior parte da tropa, com aproximadamente 4 mil homens, sob o comando do marechal Joaquim de Melo Leite Cogominho de Lacerda. Quando as tropas atravessaram o Rio São Francisco em 01 de maio, marcharam sem dificuldades, com o apoio dos proprietários alagoanos, para o norte em direção a uma Recife já bloqueada pelo mar, pela força naval baiana comandada pelo capitão Rufino Pires. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a notícia da revolução causou grande repercussão na população. Imediatamente após saber da revolução pernambucana, a Coroa despachou para Recife uma pequena esquadra composta de uma fragata, duas corvetas e uma escuna, sob o comando do contra-almirante Rodrigo José Ferreira Lobo e as nações amigas foram notificadas do bloqueio naval aos rebeldes. Reuniu-se, sob a supervisão pessoal de Dom João VI, a maior parte do material e contingentes militares disponíveis em meio a manifestações de apoio, com particulares fazendo doações para a compra das armas e munições necessárias, enquanto voluntários alistavam-se para as tropas de milícias. Do Rio de Janeiro, em 02 de abril de 1817, seguiu uma expedição militar, que sob as ordens do capitão-general Luis do Rego Barreto, reunia duas naus de guerra e de nove a dez embarcações menores levando quatro batalhões de infantaria, dois esquadrões de cavalaria e um destacamento de artilharia com oito canhões, num total de 4 mil homens. Foi enviada ao mesmo tempo, para Portugal, ordem de trazer dois regimentos de infantaria, num total de 2600 homens, parte destinada a reforçar a expedição incumbida a Luis do Rego Barreto, enquanto outra parte deveria ficar em Salvador. A pronta ação do Conde dos Arcos [...] parece ter inibido qualquer manifestação na Bahia por parte de simpatizantes do movimento, que, ao que tudo indica, não seriam poucos. Na própria Corte suspeitou-se da existência daqueles simpatizantes, e, ao se ter notícia da Revolução, um dos principais atos do Governo foi mandar proceder a uma devassa sobre os acontecimentos, que a muitos fez colocar na prisão no Rio de Janeiro. (Mourão, 2009:22). No dia 20 de abril, de acordo com o padre pernambucano Dias Martins, “proclama-se a Pátria em perigo” e lança-se mão da convocação de escravos (pelo que seus senhores seriam indenizados) para integrarem as forças que, sob as ordens dos principais líderes militares iriam combater as tropas vindas da Bahia. A maioria dos senhores de terra não atendeu à convocação, não havendo, portanto, significativo reforço nas forças revolucionárias. Em 23 de abril a esquadra carioca chega a Recife, completando o bloqueio naval da cidade. O plano da Coroa Portuguesa era atacar por duas frentes: bloquear Recife pelo mar, aproveitando o ponto fraco da ausência de uma marinha de guerra e impedir a retirada dos rebeldes por terra. Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque marcha pelo interior da capitania pernambucana comandando a maior parte das tropas republicanas ao encontro da tropa vinda da Bahia, encontrando no trajeto forte antipatia dos proprietários de terra e das autoridades locais. Nessa expedição os revolucionários venceram algumas forças organizadas às pressas pelos senhores locais, obrigando-as a ir para o sul. Na medida em que as tropas vindas da Bahia penetram nos territórios alagoano e pernambucano, vários povoados os apoiam. Percebendo a fragilidade das forças revolucionárias, partidários leais à Coroa iniciam ataques nas capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Ocorrem combates no interior e pequenas localidades. Em algumas vilas, como na paraibana Mamanguape, os rebeldes resistem casa por casa, mas são obrigados a recuar para a capital. A primeira derrota dos rebeldes pernambucanos ocorreu em 02 de maio na batalha do engenho Utinga, seguida de outra mais grave, em 13 de maio, no engenho Trapiche, perto de Serinhaém. Nesta última, em desvantagem numérica, os republicanos abandonam toda sua artilharia e boa parte de sua munição, além de ter aproximadamente 300 homens feitos prisioneiros. Diante da impossibilidade de sustentar o ataque, as forças rebeldes retiram-se durante a noite para Recife. Outra expedição republicana que seguia pelo litoral, liderada por Domingos José Martins, membro da Junta Governista, foi surpreendida em 16 de maio pelo capitão José dos Santos, das milícias de Penedo, quando este atravessa o Rio Merepe comandando quase 300 homens em duas companhias de infantaria, duas de pardos de Penedo e uma de caboclos do Atalaia. O destacamento republicano foi dizimado próximo ao engenho Pindoba e Domingos José Martins foi ferido e preso. Cerco e rendição de Recife O cerco das tropas baianas com um efetivo de aproximadamente 4 mil homens se fecha sobre Pernambuco por terra e mar, e em Recife a comida começa a faltar. Percebendo a situação insustentável, o governo provisório manda o ouvidor José da Cruz Ferreira com uma proposta de rendição ao almirante Rodrigo Lobo, caso fosse concedida anistia a todos rebeldes e o direito de saírem do país quando quisessem. O almirante só aceita a rendição incondicional. Ao saber da resposta, parte da população se prepara para defender a cidade e outra parte foge para bairros distantes e povoados que ofereciam maior segurança. Os ricos comerciantes portugueses se unem e oferecem 100 contos aos membros do governo para que renunciem à luta e saiam da cidade. A oferta é recusada. Tentando controlar a situação, a Junta Governista concede poderes ditatoriais ao representante das Forças Armadas, ex-capitão e agora general Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa. Chega então a Recife, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque com o que resta das tropas revolucionárias, derrotadas nas batalhas dos engenhos Utinga e Trapiche. Em 17 de maio, Domingos Theotônio envia novamente o ouvidor como mensageiro à presença do almirante com o aviso de que o chefe republicano insiste na proposta de rendição com anistia e espera uma resposta favorável o meio-dia do dia seguinte, caso contrário seriam degolados todos os militares e civis do partido realista presos. Além disso, também seriam mortos todos os portugueses que se encontravam na cidade e os bairros de Boa Vista, Santo Antônio e Recife seriam incendiados e arrasados. Novamente o almirante não cede e se passa o prazo do dia 18 de maio. Na manhã de 19 de maio, Domingos Theotônio resolve abandonar a cidade levando para o interior algumas forças, equipamento militar e os cofres do tesouro público, com a intenção de resistir em local e momento mais favoráveis utilizando tática de guerrilhas. Foi acompanhado pelos membros do governo, padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro e o ouvidor Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. No final da tarde, a tropa acampa no engenho Paulista, distante aproximadamente 20 quilômetros de Olinda. As forças republicanas que permanecem em Recife, constituídas em sua maior parte de milícias irregulares, não tinham condições de superar forças militares profissionais em maior número e com mais armamento. Para evitar maior derramamento de sangue e pensando em sua situação pessoal, ainda no dia 19 de maio, o general Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque abre negociações com os chefes militares portugueses. O almirante Rodrigo Lobo exige a rendição incondicional e imediata dos revolucionários. O governo provisório republicano de Pernambuco, isolado e sem defesas, se rende incondicionalmente em 20 de maio de 1817, depois de 74 dias de existência, e o almirante Rodrigo Lobo desembarca em Recife, assumindo o governo da capitania. O almirante foi recebido com festas e é aclamado nas ruas aos sons dos sinos das igrejas e banda de música. Grande parte da população de Recife, que em março comemorou a revolução republicana, celebrou em maio a restauração do regime monárquico. Pessoas invadem as casas dos chefes da revolução, saqueando e queimando-as. A bandeira portuguesa é hasteada nos mastros dos quartéis e repartições públicas, saudada pela artilharia das fortalezas. Prisões e mortes dos revolucionários de 1817 No acampamento da tropa revolucionária em retirada, próximo à meia-noite, os líderes derrotados se reúnem em conselho buscando uma resolução, que não é alcançada. Após esta reunião, o padre João Ribeiro entra na capela do engenho e enforca-se. Ao longo da noite, na ânsia de salvar a vida, as pessoas aos poucos vão se retirando e na manhã seguinte não restava quase ninguém no engenho Paulista. O equipamento militar e os cofres com o tesouro público permaneceram, intactos, no local. Domingos Theotônio e padre Miguelinho são presos enquanto tentam fugir. O ouvidor Antônio Carlos apresenta-se voluntariamente na cadeia de Igaraçu. José Luís de Mendonça, que não saiu de Recife, se apresenta ao almirante Rodrigo Lobo. Estes e outros presos envolvidos no movimento são enviados em três navios de guerra para a Bahia para serem julgados. No Rio Grande do Norte, em 26 de abril de 1817 os legalistas já haviam deposto a junta revolucionária, ocasião em que foi morto por espadas o coronel de milícias André Albuquerque de Maranhão, membro da junta revolucionária. Em junho reassumiu o governo da capitania o capitão-mor José Inácio Borges. Na Paraíba, percebendo as dificuldades do movimento republicano em Pernambuco, uma junta legalista local conseguiu retomar posse com um governo interino em 07 de maio de 1817, prendendo os principais líderes republicanos locais. O capitão José de Barros Falcão de Lacerda, retornando da Ilha de Fernando de Noronha, foi detido juntamente com alguns militares e ex-presos que estavam na ilha, ao desembarcarem na Baía da Traição, na Paraíba. Para a ilha foi mandada parte da frota que bloqueava Recife, dominando facilmente os poucos militares que lá se encontravam. A revolução pernambucana e a independência do Brasil Se a Conjuração Mineira foi o primeiro movimento de caráter republicano na história brasileira que preocupou as autoridades portuguesas, foi a Conjuração Baiana, mais ampla e popular em sua composição social e proposta, a primeira revolução articulada pelas camadas populares que pretendiam uma república abolicionista, defendendo o fim da escravidão e a participação igualitária de todas as raças na administração pública. A Revolução Pernambucana tem o duplo mérito de ser o primeiro ato concreto de contestação ao domínio português em solo brasileiro, colocando em prática as ideias republicanas, e de ser a ocasião em que se inicia a diplomacia no Brasil, com correspondência partindo do solo brasileiro para outras nações, tanto por parte da Coroa Portuguesa quanto do governo republicano pernambucano. Por estes motivos, é considerada o embrião da formação política da atual nação brasileira. A Revolução de 1817 é o marco fundador da História Diplomática do Brasil. Até o dia 6 de março daquele ano, o Brasil, não somente aos olhos dos próprios cidadãos que o habitavam, mas aos olhos do mundo, era apenas o território português na América, antes colônia, e, por aquela época, felizmente constituído em Reino Unido. [...] Até aquele 6 de março, toda a América espanhola estava insurgida e revolucionada. [...] O Brasil, entretanto, permanecia pacificamente português, nem um único sinal conhecia o mundo de um mais remoto desejo de independência, seja de Portugal, seja da Monarquia da dinastia de Bragança. [...] A correspondência diplomática internacional, a cobertura da imprensa e a própria consciência das elites na América portuguesa revelam que a Revolução de 1817 fez o Brasil, pela primeira, vez partícipe do movimento libertador que inflamava o resto do continente. O Brasil surgia não mais como a colônia ou o reino unido português bragantino, mas como uma entidade nacional com vontade própria de soberania, com vontade própria de liberdade, com vontade própria de reorganização social. (Mourão, 2009:174-175). Há um crescente número das pessoas executadas após julgamento. Na Conjuração Mineira em 1789 foi uma pessoa, na Conjuração Baiana em 1798 foram quatro e na Revolução Pernambucana em 1817 foram treze. Em Pernambuco não houve mudanças nas sentenças iniciais. O número de executados seria ainda maior, não fosse as intervenções de Dom João VI em 1818, determinando o fim de novas investigações e prisões, e em 1821, declarando anistia aos que ainda se encontravam presos, aguardando o final do processo judicial. Estas atitudes visavam conseguir apoio popular em um momento que o rei iniciava seu governo, pressionado por fortes nações e ideologias estrangeiras. O aumento no número e nível das punições é sinal inequívoco da necessidade e dificuldade cada vez maiores das autoridades portuguesas em intimidar e submeter os brasileiros. Não mais bastavam poucos executados, seguidos de alguns degredados, para oprimir rebeldes. Julga-se então necessário também arrastar os corpos à cavalo, fuzilar, condenar à prisão e ao degredo centenas de pessoas, entre civis, militares e cléricos, pessoas de todas as classes sociais, representantes de diversas categorias intelectuais e econômicas. Em uma avaliação final, pode-se afirmar que as conjurações mineira e baiana falharam em proclamar a república e a revolução em Pernambuco não conseguiu mantê-la, mas estes movimentos tiveram destacado papel no processo de pressão política que conduziu à proclamação da independência do Brasil em 1822.